Em um setor como o da construção civil, que está cada vez mais aquecido, a necessidade de repensar a utilização de materiais e desenvolver tecnologias sustentáveis torna-se necessário. Por isso, para estabelecer práticas ambientalmente responsáveis e garantir um impacto menor ao meio ambiente, empresas e profissionais têm buscado alternativas na hora de construir.
Uma dessas opções é o bambu, gramínea tubular, longa e flexível, utilizada na arquitetura há, pelo menos, cinco milênios por comunidades indígenas da América do Sul e que pode oferecer grandes vantagens ao mercado.
Como conta o arquiteto Mário Gabriel Scripilliti Júnior, proprietário da Bamboobali, empresa que desenvolve projetos de arquitetura em bambu, o vegetal tem resistência a compressão superior ao concreto armado.
"O bambu é o aço vegetal. Se você tracioná-lo, ele será mais resistente do que ele. Nas colunas, ele funciona muito bem", explica, ressaltando que também é possível utilizar o material orgânico em vigas, pilares e telhados.
Apesar da principal referência da utilização do bambu ser a decoração, com produção de móveis e revestimentos, a matéria-prima já deu origem a edificações majestosas. Vários templos foram erguidos no Japão, China e Índia, séculos antes de Cristo, como o Taj Mahal, que só recentemente teve sua estrutura milenar de bambu substituída por metal.
Como conta o professor do Departamento de Estruturas da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Luis Eustáquio Moreira, existem países que já incorporaram a utilização do bambu, como a Colômbia, que desenvolve projetos habitacionais com o material.
"Esse é um recurso renovável, de alta produtividade e que pode ser usado como uma forma pronta. É um tubo com alta resistência e baixo peso", afirma.
Outra vantagem trazida pelo vegetal é a capacidade de coletar dióxido de carbono suspenso na atmosfera em uma taxa 20 vezes superior ao eucalipto.
Como conta o professor da UFMG, que também coordena o Laboratório de Sistemas Estruturais (Lase), onde são desenvolvidas pesquisas envolvendo o bambu, o produto demora entre três e quatro anos para chegar no ponto de colheita, o que proporciona alta capacidade de renovação. Em geral, os projetos estruturais utilizam espécies de bambus gigantes, com cerca de 10 cm de diâmetro.
![]() |
Sustentável. Sede do Centro de Referência do Bambu e das Tecnologias Sociais (Cerbambu), implantada pela Bamcrus no distrito de Ravena, em Sabará-MG, foi construida com o vegetal |
Para Moreira, a inserção desse material no ramo da construção civil vai proporcionar obras mais limpas, leves e uma menor produção de. "Tenho pensado na utilização do bambu como uma coisa de fácil montagem e acessível. E em estruturas que possam ser montadas e, depois de algum tempo, remanejadas. Estruturas que tenham um conceito de mobilidade", descreve.
O arquiteto Mario Gabriel reforça a opinião e explica que esse tipo de edificação é mais utilizada para o lazer. "O bambu gera uma casa onde as pessoas ficam mais à vontade. Por isso, os trabalhos mais frequentes acontecem na praia", explica.
Ele ainda reforça que a durabilidade do bambu pode ultrapassar os dez anos, quando usado em ambientes externos. A agilidade também é vantagem para quem quer construir. "Montamos, em média, 100 m² de estrutura em uma semana", diz.
ALTERNATIVA
Versátil e muito resistente
![]() |
A arquiteta Valéria Alves acredita que o bambu é um material nobre que ainda pode ser muito explorado |
Na hora de utilizar o bambu para construir, muitas são as formas de se empregar o material. É possível que o vegetal substitua a madeira e o ferro, material reciclado e de demolição, ajude na construção de fossas ecológicas e funcione como sistema para captação de água da chuva. Além disso, o bambu pode ser coluna, viga, lastro, telha, forro, maçaneta, fachadas, divisórias e muros.
Como explica o diretor presidente da Bambuzeria Cruzeiro do Sul (Bamcrus), Lúcio Ventania, para que o material apresente uma maior durabilidade, é necessário realizar um tratamento.
São os processos químicos ou naturais que impedem que pragas como brocas e carunchos afetem o vegetal. Vale lembrar que cupins comuns não se interessam pela planta.
"Esses tratamentos precisam ser feitos para retirar o amido do bambu. Temos, também, o tratamento com octoborato, que é uma espécie de sal. Ele penetra entre as fibras e faz com que o bambu petrifique", diz.
A defumação e a imersão do bambu em água também são procedimentos comuns.
O tratamento da planta ainda faz com que o material resista às intempéries do tempo. Segundo o professor do Departamento de Engenharia de Estruturas da Escola de Engenharia da UFMG, Luis Eustáquio Moreira, para o bambu usado em áreas externas, é possível utilizar tintas especiais, selantes e vernizes. "O grande segredo é lixar o bambu, para que o selante fixe bem", diz.
Para a arquiteta e designer de interiores Valéria Alves, existem muitas possibilidades para a planta, mas algumas devem ser evitadas. "O bambu não dá uma boa vedação por ser arredondado. Mas existem outros recursos, como utilizar pilares de ferro com diâmetro menor e colocar o bambu por cima", conta.
Para ela, uma maior utilização do bambu pelo setor da construção civil traria inúmeros benefícios, e a prática deveria ser cada vez mais estimulada. "Ele poderia ajudar, porque o mercado estaria empregando um material que também é nobre. Seria uma substituição muito positiva", afirma.
Segundo Lúcio Ventania, o material deve ser cada vez mais empregado nos mais diversos setores. "Nós estamos em um momento de transição e muita coisa vai mudar no ciclo de produtividade. Com o tempo, vamos diminuindo o uso dos materiais poluentes e aumentando a utilização dos materiais renováveis", afirma.
Características
Força. O bambu possui resistência a compressão superior ao concreto armado e tração comparável à do aço, oferecendo alta resistência para edificações e outras finalidades.
Renovável. O bambu tem crescimento rápido e em cerca de quatro anos já está pronto para o corte. Uma touceira madura, depois de dez anos, produzirá 20 varas por mês durante quatro séculos, enquanto o eucalipto demora dez anos para produzir uma única peça.
Meio ambiente. O vegetal é um grande coletor de dióxido de carbono suspenso na atmosfera, com uma taxa 20 vezes superior ao eucalipto, devolvendo oxigênio e diminuindo o efeito estufa.
Construção. Das cerca de 1,3 mil espécies conhecidas, há pelo menos 400 no Brasil, sendo os tipos guadua, gigante e mossô os mais indicados para a construção. No Acre, Estado com grande quantidade da planta, os bambuzais cobrem 38% do território.
Legislação para produção de bambu contribui para prática
Para ajudar a fomentar a produção do bambu, o Senado Federal aprovou, em 2011, uma lei que oferece uma série de possibilidades para o produtor rural investir no cultivo da gramínea.
A chamada Lei do Bambu estabelece que o vegetal seja tratado como produto agrícola, com direito a linhas de crédito com taxas de juros e prazos de pagamento diferenciados.
Para o presidente da Bambuzeria Cruzeiro do Sul (Bamcrus), Lúcio Ventania, os estímulos vindos do poder público contribuem para a popularização do material no setor da construção civil. "É uma lei que favorece muito. Principalmente porque nós precisamos trabalhar em duas frentes: o plantio em escala e a formação de mão de obra qualificada", afirma.
Ventania conta que, no distrito de Ravena, em Sabará, na região metropolitana de Belo Horizonte, a Bamcrus está desenvolvendo o projeto "Ravena 30", que pretende, no prazo de 30 anos, criar uma cadeia produtiva de bambu no Estado.
"A finalidade é que o projeto se torne, em dez anos, grande o suficiente para suprir 5% do mercado mineiro de produção de portas, marcos, móveis, assoalhos e janelas de bambu", diz.
O objetivo maior é transformar a região em referência de produção sustentável para todo o país.
Segundo o presidente da Bamcrus, para o desenvolvimento das plantações em Ravena, está sendo instalado um laboratório de clonagem de bambu. Todos os trabalhos são desenvolvidos em forma de agricultura familiar, reunindo adolescentes e demais moradores do distrito.
Para colaborar ainda mais com o uso do bambu em edificações, o Conselho Brasileiro de Construção Sustentável criou um guia em que tanto a indústria da construção civil quanto a população em geral são orientadas a dar prioridade a matérias-primas sustentáveis.
Para Ventania, a plantação, que possui, inicialmente, 10 mil hectares, pretende ajudar o mercado que, por sua vez, ajudará no aumento da regulamentação do uso do vegetal. "Nós não temos matéria-prima em quantidade suficiente para produção de duráveis, e o projeto quer dar uma contribuição para o setor da construção civil. E, o bambu estando na construção, terá uma regulamentação", afirma.
Fonte: www.otempo.com.br
Comentários
Postar um comentário