Medicina & Bem-estar - Estudos clínicos ameaçados

 Relatório mostra que caiu o número de pesquisas com seres humanos no Brasil. Para muitos pacientes, o acesso a esses testes é a última esperança

LACUNA
Petrilli deixou de estudar vacina contra gripe suína

O Brasil é o único país do Bric – sigla formada pelas iniciais dos quatro principais países emergentes – onde se registra uma redução no número de pesquisas clínicas necessárias para a aprovação de novos remédios. Rússia, Índia e China tiveram crescimento desses estudos, que envolvem o uso da substância em teste por seres humanos. “De 2005 até hoje, houve queda de 4% no número de pontos de recrutamento de pacientes para novos estudos no Brasil”, afirma Fábio Thiers, fundador do ViS Research Institute, instituição que estuda a infraestrutura das pesquisas clínicas realizadas no mundo. A informação é resultado de um trabalho que ele acaba de concluir, feito em conjunto com o Massachusetts Institute of Technology e o National Bureau of Economic Research, que avalia a evolução desse segmento.

A longo prazo, isso tem consequências. “Apesar de o Brasil ter centros de excelência e profissionais de alto gabarito, corremos o risco de ficar para trás em termos de inovação científica”, diz o ginecologista Gustavo Kesselring, vice-presidente do ViS Research Institute. De fato, quando um serviço médico é escolhido para participar de um estudo clínico, ele é beneficiado: os profissionais têm acesso ao conhecimento mais atualizado sobre a doença em questão, as instalações recebem equipamentos modernos para estudar cs efeitos da droga em análise e o centro médico é obrigado a aplicar um elevado padrão de cuidados médicos para monitorar efeitos adversos. Quando as pesquisas não aparecem, até serviços bem equipados podem ficar ociosos. “Tenho um centro de pesquisa parado”, atesta o endocrinologista Fadlo Fraige Filho, presidente da Associação Nacional de Assistência ao Diabético.

Na opinião dos cientistas, a origem do problema é a demora para aprovação dos estudos pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, a Conep. No Brasil, para ser aprovado, um protocolo de pesquisa clínica primeiro é submetido à avaliação de um comitê do hospital ou universidade interessados. Depois, será avaliado pela Conep. Essa comissão tem até 60 dias para dar seu parecer. No entanto, levantamento da Universidade de São Paulo mostrou que a média brasileira para aprovação de um estudo é de 100 a 150 dias, enquanto nos EUA não ultrapassa 30 dias. Segundo a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa, a média brasileira é ainda maior e fica por volta de 10 a 14 meses.

Os impasses reduzem a participação dos brasileiros. “Quando uma pesquisa é feita simultaneamente em vários países, quem começa por último perde vagas e inclui menos pacientes”, diz o oncologista pediátrico Sérgio Petrilli, do Hospital Graacc, em São Paulo. O lamentável é que muitos dos participantes dessas pesquisas, especialmente no caso do câncer, são pessoas com doenças em estágio avançado que já passaram por outros tratamentos. O acesso às drogas experimentais, portanto, é sua grande e às vezes última esperança. Também há situações em que o aval sai quando o estudo, em outros países, ou o risco, já acabou. Foi o caso da autorização para testar a vacina da gripe contra o H1N1 nas crianças atendidas no Graacc. Quando foi aprovada a pesquisa, o período mais crítico da epidemia já tinha passado e não havia mais indicação para dar vacina.

Para a presidente da Conep, Gysélle Tannous, a demora está ligada à exigência de adequação das propostas internacionais às regras do País. Como exemplo, ela cita pedidos de aprovação nos quais o termo de consentimento, documento que o paciente precisa ler e assinar, tem 30 páginas. “Dificilmente o paciente lerá tudo isso. Temos que solicitar reformulações”, diz Gysélle. Outro gargalo é a necessidade de dar ao participante acesso gratuito ao tratamento até que ele esteja disponível comercialmente. “A pesquisa clínica é um campo de conflitos de interesse. Somos rigorosos na defesa dos voluntários de pesquisa”, afirma.

Fonte: https://istoe.com.br/111629_ESTUDOS+CLINICOS+AMEACADOS/

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