Arte: Onde o ator e o performer têm espaço

Uma das questões vistas com maior clareza sobre a relação performance e teatro diz respeito a um dos elementos mais tradicionais das artes da encenação: os personagens. Além das diversas formas de construí-los em cena, no teatro performativo, os personagens não mais entram em cena. E se não entram, o que fazem os artistas no palco? “Essas aproximações entre teatro e performance vão ter implicações no trabalho do ator. Ele já não representa um personagem com uma história a ser contada. Ele se apresenta enquanto indivíduo e artista, colocando no palco pulsões e afetos que são seus, aproximando-se de uma ação performática”, afirma Ana Luisa Santos, artista e professora.


FOTO: Matheus Sá Motta /divulgação

Para ela, nesse teatro que bebe da performance, o ator liberta-se do personagem e tem ali possibilidades para lidar com questões que lhe são próprias, mas adverte: “São questões de opções estéticas e desejos artísticos, sem detrimento para nenhuma das partes”.

Para o ator e pesquisador Daniel Furtado, essa libertação está relacionada com um novo relevo que é dado ao trabalho do ator. “A representação, no sentido de estar no lugar de outra coisa, perde espaço. O artista pode se apresentar sem a máscara dos personagens e trazer ali o seu corpo, a sua voz. Alguns até preferem ser chamados de performer porque não estão ali abordando algo que foi criado por outra pessoa, que determinou que a ação devesse ter essa ou aquela característica”, comenta Daniel.

No lugar do personagem, entra em cena a persona. “Enquanto o personagem tem um perfil mais delineado, com uma origem, um perfil psicológico, uma trajetória, eu vejo a persona como um tipo de sombra do personagem. Ela não tem traços muito definidos, alguns até temporários, podendo remeter a um arquétipo, sem uma origem tão esclarecida e definida. A persona tem características mais mutantes, não tem tanta coerência, o que dialoga muito com a visão de sujeito que temos do mundo hoje”, explica Ana Luisa.

Para a diretora teatral Denise Pedron, o termo persona é delicado porque vem do latim e significa “máscara”, mas o seu emprego tem remetido a algo contrário. “De forma simplificadora, a gente pode dizer que a persona, que tem sido muito absorvida pelo teatro, é uma espécie de atualização da própria pessoa, uma encenação do próprio eu ou uma faceta dele. Por isso se diferencia do personagem que representa o outro”, completa a pesquisadora.

Performance e intervenção. A abstração fica fácil de ser entendida se tomarmos como exemplo o trabalho do Coletivo Os Conectores, que estreou este ano o espetáculo “Rosa Choque”, trazendo como temática discussões sobre o feminismo, a liberdade da mulher e a cultura machista.


“O coletivo nasceu para trabalhar com performance e intervenção. Na época, nós tínhamos uma certa resistência com essa distância que o personagem estabelece com o público. Quando trabalhamos a performance, sentimos um resultado mais direto porque nossa relação com o público não tem mediação”, afirma Cris Moreira, lembrando que em “Rosa Choque”, acabaram por dar ao trabalho teatral “um aspecto mais performativo” porque não partiram de uma história, de algo fantasioso. “A personagem traz uma ideia de ficção muito grande, como se não fosse o ator que estivesse em cena. Quando aciono o que é chamado de persona, sou eu que estou em cena, sou eu que estou me posicionando e me mostrando ali diante do público”, conta Cris Moreira.

Fonte: https://www.otempo.com.br/diversao/magazine/onde-o-ator-e-o-performer-tem-espaco-1.1067911


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