Filhos vão de sonho a barreira

Mercado rejeita quem tem pretensão de engravidar, afirma professor de economia


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A carreira era prioridade para a analista administrativa Nádia Lage Bretas, 40. Se pudesse voltar atrás, ela teria feito bem diferente. “Fiquei muito preocupada com o lado profissional e adiei a maternidade para fazer minha carreira. Quando eu quis engravidar, a gravidez não me quis. Tive que recorrer à fertilização”, conta a mãe do pequeno Rodrigo, de 2 meses. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quando o assunto é cargo de chefia, apenas 4,7% são ocupados por mulheres.
O professor de economia do Ibmec Felipe Leroy acredita que o fato de mulheres adiarem cada vez mais o sonho da maternidade tem a ver com um discurso machista. “Mesmo as mulheres tendo uma média maior de estudo do que os homens, elas ainda ganham menos e sofrem preconceito na hora da contratação, porque o mercado rejeita mulheres com pretensão de engravidar. Isso aumenta o medo delas de ficarem desempregadas”, analisa o economista.
Segundo o IBGE, a média de estudos é de 9,3 anos para a mulher e de 8,9 anos para o homem. A professora de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) Virene Matesco afirma que essa vantagem acadêmica não é suficiente. “Se nós, mulheres, não formos muito superiores no momento de uma seleção de trabalho, não seremos contratadas se estivermos disputando a vaga com um homem”, afirma. 
Esse tratamento diferenciado potencializa o temor feminino de perder o emprego. “Na atual situação de crise econômica, é muito mais difícil para a mulher conseguir se recolocar no mercado. Por mais que a ajuda dos homens com a casa e os filhos esteja crescendo, ainda é para a mãe que a escola telefona primeiro quando o filho se machuca ou passa mal”, avalia Virene. 
Nádia se considera uma mulher de sorte, mas lamenta as restrições impostas pela escolha de priorizar a carreira. “Fiz uma única fertilização e consegui engravidar. Mas terei que ficar restrita a um só filho. Certamente, se pudesse voltar atrás, teria engravidado mais cedo”, afirma Nádia, moradora de Itabira, na região Central de Minas. 
A enfermeira Luciana Oliveira, 39, mora em Mariana. Ela também adiou a gravidez para se consolidar na carreira. Chegou a se mudar para Belo Horizonte e trabalhar em dois hospitais ao mesmo tempo, rotina comum na profissão. Quando resolveu ser mãe, aos 36, já sabia das escolhas difíceis que precisaria fazer. “Vi que, se eu fosse mãe e profissional, seria falha. Então, optei pelo meu filho”, relata.
Assim que a licença-maternidade acabou, ela pediu demissão. “Agora que o Davi já está com 2 anos e 7 meses, eu penso em voltar a trabalhar. Mas sei que a reinserção será muito difícil. Se eu for concorrer com uma mulher mais jovem e sem filhos, certamente vou perder para ela”, destaca.

A cada dez lares, elas chefiam quatro

Em apenas uma década, o total de lares chefiados por mulheres no Brasil praticamente dobrou. De acordo com o estudo sobre desigualdades de gênero, do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), com base em estatísticas da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (Pnad/IBGE), em 1995, a cada cem casas brasileiras, 23 tinham chefia feminina. Em 2015, essa participação saltou para 40%.
Ao longo dos anos, a divisão do trabalho doméstico com os homens também cresceu. De 2016 para 2017, o percentual masculino realizando tarefas no lar subiu de 71,9% para 76,4%. No caso das mulheres, a participação ficou praticamente a mesma: de 92,4% para 92,7%. Apesar do avanço, as mulheres ainda gastam praticamente o dobro de tempo nessas atividades. Segundo a Pnad, enquanto elas dedicam 20,9 horas semanais, eles empenham 10,8 horas.

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