Rebrotar os olhos d’água

Sebastião Salgado e Lélia Wanick falam nesta segunda em BH sobre projeto de recuperação das nascentes do Vale do Rio Doce

JÚLIO ASSIS

Sebastiao Salgado
Preocupação. Sebastião Salgado vem buscar apoio para reavivar fontes
O fotógrafo Sebastião Salgado vive agora obcecado com as nascentes. “Minha atenção está só nos olhos d’água”, diz. Mas não para apertar o disparador de sua máquina e registrá-los em mais uma série de imagens de repercussão mundial, como sempre acontece com os trabalhos que realiza. Sua preocupação, e com a mesma intensidade de sua esposa, Lélia Wanick, é de recuperar as nascentes de todo o Vale do Rio Doce, região onde ele nasceu, tarefa que ele quantifica num universo de mais de 400 mil fontes. Para isso, o casal retorna nesta segunda a Belo Horizonte, cumprindo uma agenda político-ambiental que inclui uma audiência com o novo governador, Fernando Pimentel, reuniões com outras lideranças políticas e empresariais do Estado e, à noite, um encontro com o público no projeto Sempre um Papo, no Sesc Palladium, para falar de água e também de arte.
O périplo para angariar apoio ao Programa Olhos D’água não impediu, claro, que os dois acompanhassem com orgulho a participação do filho cineasta, Juliano Salgado, que há duas semanas concorreu ao Oscar de melhor documentário com o filme “O Sal da Terra”, sobre a trajetória de Sebastião, realizado em parceria com o premiado diretor alemão Wim Wenders. O ganhador foi o norte-americano “CitizenFour”, o que não diminuiu o entusiasmo dos pais. “O filme do Juliano e do Wim é a minha identidade, gostei muito e fiquei felicíssimo pela participação do Oscar. Não precisava ganhar, é um prêmio norte-americano e é natural que os vencedores sejam de lá”, diz Sebastião. “‘O Sal da Terra’ conquistou o César, o maior prêmio de cinema da França”, exalta Lélia.
Sobre a condição de protagonista de um filme, o fotógrafo confessa que teve dificuldades. “Não é fácil você trabalhar com câmera te filmando por muito tempo, mas para filho a gente faz tudo”, brinca. “O Wim é um grande amigo, já visitou Aimorés (terra natal de Sebastião) várias vezes, e um diretor fantástico”, completa.
Biografia. Parte da gravação do filme ocorreu quando Sebastião realizava o projeto “Gênesis”, em que ele fotografou lugares intocados do planeta. Às vésperas de apresentar o resultado desse trabalho – que já foi mostrado em Belo Horizonte ano passado, em exposição no Palácio das Artes –, ele concedeu uma série de depoimentos para a jornalista francesa Isabelle Francq, que desembocou no livro “Da Minha Terra à Terra” (editora Paralela), em que ela elabora um fio condutor à fala de Salgado.
O filme e o livro concomitantes deram ao fotógrafo uma superexposição que não o incomoda. “O meu trabalho é a fotografia, ele tem que ser visto e tudo isso faz parte”, avalia. Desenvolvendo ao longo de décadas uma obra que chama a atenção para o que a humanidade vem fazendo de seus destinos, ele realiza ao mesmo tempo, com Zélia, ações que buscam reverter a degradação do planeta. Para isso os dois criaram o Instituto Terra, em Aimorés, que vem recuperando uma imensa área da Mata Atlântica, e agora se volta também para a questão da água.
“Esse problema virou agora um tema de ponta no Brasil, mas é preciso ver que a questão não está na falta de chuva. Matamos os rios ao longo do tempo e é a hora de reavivá-los. Possuímos todo um planejamento para recuperar os extratos de olhos d’água de 400 mil fontes do Vale do Rio Doce de 25 anos a 30 anos. Já começamos a fazer isso há cerca de cinco, seis anos, ou seja, temos para mostrar um piloto que assegura a viabilidade do que defendemos”, afirma.
A convicção do fotógrafo vem dos resultados obtidos com o replantio da mata (2 milhões de árvores em 20 anos) e com o aprendizado que ele disse trazer do contato com povos dos lugares não explorados que conheceu no projeto Gênesis. “Nós nos distanciamos do planeta e temos que reencontrá-lo. Precisamos dessa aproximação, nem que seja espiritualmente. Do contrário, ele vai nos expulsar”, professa.
Vem aí
Café. De acordo com o fotógrafo Sebastião Salgado, será lançado em maio um livro com imagens de sua lavra sobre a cultura cafeeira em diversas partes do mundo. No Brasil, a publicação sai pela editora Companhia das Letras.

Produção.Salgado contou também que iniciou esse projeto em 2002, antes da série “Gênesis”.

Fonte: http://www.otempo.com.br/divers%C3%A3o/magazine/rebrotar-os-olhos-d-%C3%A1gua-1.1005701


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