A TV segundo duas gerações

O roteirista e produtor de TV Norman Lear e o cineasta e roteirista Seth MacFarlane batem papo sobre suas obras


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Seth MacFarlane: “Em 2015, o telespectador é, de certa forma, mais tolerante do que na década de 70”
Aos 92 anos, pontualíssimo, o lendário roteirista e produtor de TV Norman Lear subiu os degraus do Baltaire, restaurante que fica no bairro de Brentwood, em Los Angeles. Seth MacFarlane, cineasta e também criador de sitcoms, o seguiu logo depois – como já fez em outros aspectos.
Lear é um dos criadores de sucessos mais prolíficos dos últimos tempos. Durante vários anos, na década de 70, teve sete programas em exibição, incluindo “Tudo em Família”, “Maude” e “The Jeffersons”; cinco deles ficaram entre os dez mais populares do país, sendo assistidos por aproximadamente 120 milhões de espectadores por semana.
 
MacFarlane, 41, foi mais ou menos pelo mesmo caminho: criou “Uma Família da Pesada”, que estreia sua 14º temporada agora no segundo semestre, e dois outros seriados animados. Como cantor, gravou dois álbuns de clássicos do cancioneiro norte-americano. E também escreveu o roteiro e dirigiu “Ted”.

Em uma refeição em que Lear optou por salada de lagosta e MacFarlane só foi de muffin de mirtilo e café (“Estou meio de ressaca”, explicou), a dupla – em que ambos se destacam por defenderem a causa liberal – falou sobre as mudanças na TV dos EUA e na sociedade, o preço pessoal que se paga pelos horários insanos da profissão e as canções- tema de suas séries famosas.

“Uma Família da Pesada” começou da mesma maneira que “Tudo em Família”: um casal ao piano, queixas sobre o progresso e uma cantoria sobre a perda dos valores familiares.
 
Norman Lear: Eu poderia processá-lo por isso!
 
Seth MacFarlane: Poderia tirar até o meu último centavo, sim, mas no mundo da animação isso se chama “homenagem”. É o que impede que todos nós sejamos processados. Mas a nossa música foi mesmo um tributo; afinal, praticamente todo o mundo da comédia concorda que “Tudo em Família” foi a série cômica mais espetacular da história da TV.

NL: Nos anos 70.

SM: De todos os tempos. Outro dia vi de novo o episódio em que Archie escreve uma carta para Nixon. Edith está sentada, pronta para escrever, e ele lá, ditando; mas é claro que ela arruma o cabelo primeiro, em honra ao presidente. Esses pequenos detalhes já não aparecem mais no sitcom de hoje, essa sutileza e inteligência.

Vocês dois exploram a sociedade através de patetas, mas quando Archie ou qualquer um dos personagens de Norman diz algo racista ou sexista, há sempre alguém para corrigi-lo ou fazê-lo se retratar. A série nos mostrava o que era certo, só que, hoje em dia, a coisa é mais complicada. Em “Uma Família da Pesada”, os personagens dizem coisas horríveis, mas ninguém os corrige ou os fazem se retratar. É o público que tem que ter essa percepção. A bronca é coisa do passado?
 
SM: Ainda temos instruções para fazer outro personagem lhes dizer o que está errado; às vezes, quando é necessário, uso o recurso, mas a verdade é que parece que você está diminuindo o poder de discernimento do público – e porque, em 2015, ele é, de certa forma, mais tolerante que na década de 70, eu evito.

NL: Tem também a ver com o fato de eu ter crescido numa casa de briguentos. Herbie Gardner falava da família que o deixava uma pilha de seus nervos e melhorava a força de seus pulmões, de tanto gritar. O mesmo valia para a gente. Lembro de uma vez em que meu avô acusou meu pai de ter dormido com a mulher do meu tio, irmão da minha mãe – que estava ali, ajoelhada, implorando para que parassem. Sem contar a gritaria. As brigas resumiam a minha vida.

Só que tem uma diferença: quando alguém em “Uma Família da Pesada” faz piada com o sexo gay, eu, que sou homossexual, dou risada porque acho o personagem um babaca, mas já vi homofóbicos rindo de verdade, por apreciarem/concordarem com o que está sendo dito.

SM: Isso aí não muda. Tem uma parcela da população que ria com o Archie e que defendia suas teses. Não dá para controlar esse tipo de coisa.
 
NL: Com certeza. Está aí a gravação de Richard Nixon para confirmar o que o Seth acabou de falar. Achava que estávamos tirando uma com a cara de um homem bom, o Archie.

Mas não é uma faca de dois gumes, tipo denunciar o estereótipo e revelá-lo também?
 
SM: Ainda há muitos homens que pensam como Archie Bunker por aí. Podem ser poucos, mas há, sim.

Então é melhor levar ao ar as más ideias deles?
 
SM: Fico só pensando se “Tudo em Família” fosse ao ar hoje e como inspiraria os textões nas redes sociais e protestos na mídia. “Archie usou a palavra ‘preto’! Isso é absurdo! Não devia ser televisionado!” O pessoal ficou menos tolerante porque não consegue processar as coisas como fazia antes.
 
NL: Eu concordo.
Fonte: http://www.otempo.com.br/divers%C3%A3o/magazine/a-tv-segundo-duas-gera%C3%A7%C3%B5es-1.1067186

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