O prodígio que amadurece

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Com 15 anos, o jovem pianista pernambucano tornou-se conhecido por tocar Radiohead pisando nas teclas do piano. Anos depois e com dois álbuns no mercado, ele festeja ter o projeto de seu terceiro disco escolhido pelo Natura Musical. Em conversa com o MAGAZINE, ele fala de sua carreira, do convívio entre música erudita e popular em suas obras e de planos futuros.

O Natura Musical vem se tornando um importante meio para artistas da música terem seus projetos realizados. Como ser escolhido pelo edital é importante para sua carreira?
Eu fiz meu primeiro disco de estúdio, o “A/B”, com recursos do meu próprio bolso e foi muito difícil para mim, porque, como o artista não tem uma grana fixa, é muito difícil poder separar uma quantia para toda a produção de um CD. Nessas situações, nunca é possível fazer o trabalho com a quantidade de esmero que se pode e quer fazer. Com um patrocínio, como o do Natura Musical, é possível colocar em prática a teoria que está em nossa cabeça e conseguir aparar todas as mínimas arestas com uma facilidade maior do que se não tivesse apoio nenhum. Especificamente para mim, um instrumentista que vem da música erudita, ter o apoio de uma marca que presa por um tipo de refinamento e elegância, como a Natura, é muito bom. Acho que essa característica tem uma ligação com a preocupação que tenho e o trabalho que eu faço.

O que alicerça o álbum que vai desenvolver durante 2015, como parte do programa?

O meu disco se baseia na pesquisa da música advinda das religiões de matriz africana no Brasil. É uma pesquisa que tenho desenvolvido com mais ênfase nas músicas do candomblé feitas para os diversos deuses do panteão.

Em que pé está o desenvolvimento do CD?

Eu comecei essa parte da pesquisa faz pouco tempo e o primeiro trabalho que vai sair vindo disso é pela Natura. Eu não acredito que ele vá ficar por aí, pois uma primeira etapa tem uma força muito grande, de um empirismo ingênuo que às vezes tem muito força quando você está desenvolvendo um produto artístico. Mas eu devo desenvolver isso em novas frentes.

Conhece algum compositor que tenha feito algo parecido?

O Villa-Lobos fez isso com a música indígena e nos deu peças “absurdas” (no sentido de extremamente boas), entre elas “Madu Çarará”, o primeiro poema-sinfônico escrito em tupi-guarani no mundo. E o que planejo fazer é mais ou menos isso: trazer para a música culta, que trabalha nuances complexas vindas da música erudita, aspectos da música ancestral, com o candomblé. Temos no Brasil também o sincretismo da umbanda, mas eu preferi estudar apenas o candomblé que, através dos centros mantidos em Pernambuco e na Bahia, conseguiu manter-se com o mínimo de alteração quando comparado à umbanda, que é posterior e, atualmente, muito mais brasileira que africana.

Compositores de música erudita precisam se dedicar muito não é? Como está sua carreira atualmente, o que você está fazendo?

Depois de sair de Pernambuco, eu morei em São Paulo, fui para o Rio e agora estou de volta à capital paulista há menos de um ano. Continuo fazendo concertos de meu último disco e, além disso, eu faço muitas aulas, como piano erudito, de jazz, de contraponto, de composição, filosofia e estética. E minha rotina se baseia-se nisso. E nos tempos determinados pela minha agenda artística, me dedico às apresentações.

Como você interpreta o fato de ser um pianista erudito mas fazer aulas de jazz, ou seja, piano popular, e como isso influencia sua carreira?

Desde os 9 até os 16 eu estudei música erudita. Depois disso, que eu conheci o jazz. Mas nos meus trabalhos lançados, o “Toque” (DVD, 2008) e “A/B” (2012), têm característica do pop muito presentes, tanto é que pensei em disco e não em peça, como usualmente se pensa no erudito, ao fazê-los. Nesses trabalhos eu tenho uma preocupação muito mais forte com a vertente pop do que a erudita, mas o alicerce continua clássico. O hibridismo é natural, não é algo que pense ou calcule, é uma coisa quase inevitável.

É comum para instrumentistas eruditos passar uma temporada fora do Brasil para estudar e se apresentar. Você pensa nisso? Já tem algum lugar que você “namore”?

Eu nunca havia pensado em sair do Brasil, tenho muita dificuldade com línguas estrangeiras e um apego muito grande com meu país. Mas faz dois anos que venho pensando em estudar composição fora e acho que, nesse quesito, a Alemanha é um pais riquíssimo, porque tem escolas superiores de música onde dão aula os grandes compositores do final do século XX e que ainda estão em atividade. Não que aqui não tenhamos grandes compositores. Eu, por exemplo, fui aluno do Mário Ficarelli até o falecimento dele no início deste ano, e nós temos também Silvio Ferraz, Flo Menezes, Celso Mojola, que são professores muito importantes para a música erudita contemporânea. Então, de jeito nenhum estamos esvaziados de possibilidades de estudo. Mas, como eu estudo aqui desde criança, talvez seja uma coisa boa para minha linguagem absorver outro tipo de pensamento. Enfim, eu penso sim, mas embora não tenha a certeza que vá fazer.

Imagino que você tenha vários compositores os quais admira. Mas qual é aquele que você acredita ser essencial para qualquer músico?

Vou fugir da resposta que sempre dou, que é Villa-Lobos, porque ele para mim é o hors concours. Para mim, o Bach é fundamental por, entre tudo que fez para o desenvolvimento da música, ter conseguido criar obras tão sofisticadas. Ao analisar suas composições é possível notar que há arranjos complexos, melodias sobrepostas, que não podem ter nenhuma pequena alteração, pois toda a composição seria modificada. Além dele, há Beethoven, que foi extremamente importante para a constituição do Romantismo e exerce também peso na história da música. Acredito que qualquer pessoa que queira estudar música erudita deve obrigatoriamente estudá-los muito.

Você ficou conhecido por tocar o piano em seus concertos em posições não usuais, às vezes utilizando o pés, por exemplo. O que essas passagens significaram para sua trajetória como músico?

Analisando melhor esse cenário hoje, vejo que, quando eu comecei a me apresentar, eu tinha uns 15 anos de idade (hoje ele tem 25 anos) e estava descobrindo o rock, ouvindo muito bandas como Radiohead, Beatles, Nirvana e afins. E todas essas bandas, e o próprio rock em si, têm um caracter iconoclasta, que, acredito, quis levar para minhas apresentações. Lembro que muitas vezes entrava no palco, cumprimentava a todos da plateia e antes de começar, eu subia no piano e as pessoas ficam chocadas.

Você acredita que para um música erudito tornar-se conhecido do grande público é preciso que ele, de alguma, se enverede para a música popular?

Primeiramente, eu acho que é preciso saber qual o público que ele quer atingir. Assim mesmo é um assunto complexo, pois num país como o nosso, com uma música popular tão forte, é muito difícil fugir, e sempre vai haver muita e constante influência do popular no erudito. Prova disso, são as grandes composições brasileiras que foram inspiradas na música popular e vice-versa. 
Fonte: http://www.otempo.com.br/divers%C3%A3o/magazine/o-prod%C3%ADgio-que-amadurece-1.964269

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