Dios mio, o papa deles

Por ARIOSTO DA SILVEIRA – Mesmo duas semanas antes do outono, a quarta-feira,13 de março, amanheceu com tempo fresco e nuvens ralas. O vento as levou ali pelo meio-dia, quando as áreas centrais de Buenos Aires se enchiam de gente apressada, como de rotina. Canteiros de obras davam a impressão de ser destinadas a puxar votos nas eleições parlamentares de junho. Mas, especialmente entre os comerciantes, o que se ouvia eram queixas.
Para um deles, “vocês estão bem, têm uma presidente. Aqui, temos uma… (balançou a cabeça e usou um termo pejorativo). Noutro estabelecimento – onde, como nos demais, recebia-se o real ou o dólar a 7 por 1, quando a cotação oficial era de 5 por 1 -, o vendedor e seu patrão comentavam ardorosamente a situação do país, concordando, ao final, que o governo perderá as próximas eleições e pode ser o início do fim do kirchnerismo.
Para o visitante, no entanto, não havia novos sinais de crise, salvo quanto aos preços. Também não se sentia qualquer expectativa diante do conclave dos cardeais, no Vaticano.
Pouco depois das 4 da tarde, Marly e eu caminhávamos pela avenida Quintana, no bairro da Recoleta. Pouca gente. O vento balançava as folhas dos plátanos e trazia a temperatura para uns 15 graus. De repente, um homem se aproxima agitado, abre os braços em cruz e grita: “Felicidade. Papa argentino!”. E foi em frente, dando de braços. Não demorou, um buzinaço, e a televisão se encarregou de atrair os católicos para a catedral, na praça de Maio, da Casa Rosada, local de históricos protestos contra o regime militar. Homens e mulheres chorando de alegria. “Uma bênção de Deus nesta hora que estamos vivendo”, disse um; “um milagre”, declarou uma mulher antes de desabar em prantos; outra: “Deus é argentino!”. Logo a catedral se encheu. Palmas. Os depoimentos prosseguiam exaltando a firmeza, a inteligência, a humildade e outras virtudes de Bergoglio – homem comum, um papa da rua.
Cerca de uma hora depois, o governo se manifestou. Mensagem fria, disseram os críticos, para os quais a escolha incomodou o oficialismo, considerando as repetidas condenações de Bergoglio aos excessos de poder, ao autoritarismo e à falta de sensibilidade e de ações em relação às desigualdades sociais.
Populares e governo pareciam, no entanto, unidos pela surpresa. A imprensa havia transmitido a ideia de estarem em cotação mais alta o cardeal Scola, de Milão, o brasileiro Scherer e outros. Nas suas edições do dia, os maiores jornais seguiam essa linha. “El Clarín” nem citou Bergoglio. A correspondente do “La Nación” na Itália, Elisabetta Piqué, inseriu um parágrafo no longo noticiário para anotar que o cardeal arcebispo de Buenos Aires, Jorge Bergoglio, “outra vez considerado papável, como em 2005, o que poderia resultar em grande surpresa, parecia sereno”. Daí não se estranhar a assustada manchete de um jornal buenairense no dia seguinte: “Dios mio”. E um taxista alfinetava: “Temos Maradona no Dubai, Messi no Barcelona, e agora o papa em Roma. Vocês, brasileiros, podem ficar com a Copa”.
Fonte: http://arturbenevides.com.br/2013/03/19/dios-mio-o-papa-deles/

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