As imagens que farão falta

Prega o senso comum que a morte transforma todos em gênios. Basta alguém falecer para que os eufemismos sejam tirados daquelas gavetas velhas e empoeiradas e usados para exaltar quem, há uma semana ou um mês, se criticava de forma igualmente veemente.

O mais trágico das mortes no cinema em 2014 é que esse não foi o caso. A cada artista e a cada carreira que o ano serial killer encerrava, reconhecia-se ali uma perda que se sabia insubstituível. Um talento único e excepcional em seu nicho, cuja falta seria permanentemente sentida pelos amantes da sétima arte.

Sem dúvida, o melhor exemplo e a maior prova disso é Eduardo Coutinho. O cineasta que criou uma forma própria de encenar o documentário, tornando-se um dos principais nomes do gênero não só no Brasil, mas em todo mundo, morreu de uma forma trágica e absurda, assassinado a facadas pelo filho, que sofre de esquizofrenia. Uma imagem que representa bem a sanguinolência perversa deste ano – e que falta a sutilidade e a poesia do cinema do diretor.

Coutinho capitaneia uma lista de cineastas que, apesar da idade avançada, continuavam oferecendo material inestimável para o meio em que trabalhavam. O francês Alain Resnais, morto aos 91 anos em março, é outro grande exemplo – assim como Mike Nichols, um contemporâneo seu entre os grandes ilustradores das transformações da década de 1960.

Quem não viveu a época pôde respirar sua ebulição em “Hiroshima Mon Amour”, “O Ano Passado em Marienbad”, “A Última Noite de um Homem” e “Quem Tem Medo de Virginia Woolf”, dos dois mestres. E como 2014 foi um ano cruel, ele ainda levou Gordon Willis, diretor de fotografia de “O Poderoso Chefão”, e Paul Mazursky, cineasta de “Uma Mulher Descasada”, pelo puro prazer sádico.

Outro gênio em plena atividade, este na frente das câmeras, foi Philip Seymour Hoffman, falecido em fevereiro de overdose. O vencedor do Oscar por “Capote” foi uma das mortes mais lamentadas do ano pela clara percepção de que o ator tinha nele muitas performances para tornar ainda maior a tela do cinema.

Seu espelho cômico foi Robin Williams. Mesmo longe de seus dias áureos, o chocante suicídio do comediante – que, viria a se descobrir, havia sido diagnosticado recentemente com mal de Parkinson – em agosto foi sentido em Hollywood e no mundo pelo carinho e afeição que o carisma do ator na frente das telas e fora delas despertava em seus colegas e no público.

A comédia ainda ficou mais triste com as perdas de Harold Ramis, de “Os Caça-Fantasmas”; a apresentadora Joan Rivers, do “The Joan Rivers Show”; Elaine Stritch, vista por último no ótimo sitcom “30 Rock”; e o inglês Bob Hoskins, de “Uma Cilada para Roger Rabbit”.

À frente dos nomes que se encontravam afastados dos holofotes, mas nem por isso foram perdas menos sentidas, está a grande diva noir Lauren Bacall, esposa de Humphrey Bogart e também falecida em agosto. Além dela, o cinema perdeu ainda Eli Wallach (“O Bom, o Mau e o Feio”), Richard Attenborough (ator de “Jurassic Park” e diretor vencedor do Oscar por “Gandhi”), a eterna estrela mirim Shirley Temple (“A Princesinha”), James Garner (“Diário de uma Paixão”)... e uma lista tão interminável quanto deprimente, de um ano que não perdoou.

Televisão. Na TV, uma das mortes que mais comoveram o telespectador do país, ironicamente, não foi de um brasileiro. Roberto Gómez Bolaños é um ator mexicano que divertiu e emocionou gerações de brasileiros com os personagens Chaves e Chapolin. Os programas homônimos estrearam no Brasil em 1984 e, desde então, são reprisados, sempre com audiência considerável.

Ator, escritor e produtor, Bolaños faleceu no dia 28 de novembro. O múltiplo artista era casado com Florinda Meza, a atriz que interpretava Dona Florinda no seriado. Sua morte foi sentida e comentada pelo público em geral e por comediantes de diversos países. “Roberto, não se vá. Permanece em meu coração e em todos os corações de tantos a quem nos fez felizes. Adeus, Chavito, até sempre”, disse o comediante Edgar Vivar, intérprete de Seu Barriga, em sua conta no Twitter.

Uma tríade de atores representa as principais perdas da televisão brasileira neste ano. Entre eles está José Wilker, que sofreu um infarto enquanto dormia. Além de renomado ator, conhecido pelo filme “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1976) – atuou em outros 48 longas – e como Roque Santeiro na novela de mesmo nome de Dias Gomes – ao todo, participou de 30 folhetins – era diretor e com extensa carreira no teatro.

A atriz Renata Sorrah destacou a genialidade do artista, definindo o amigo como um “ator fantástico”. “Eu me apaixonei por ele em cena, e depois trabalhamos inúmeras vezes juntos. Ele influenciou uma geração inteira”, disse ela.

Paulo Goulart foi outro grande ator que deixou as telas definitivamente. Morto aos 81 anos em decorrência de um câncer nos pulmões, o ator é também reconhecido por seus trabalho no teatro e no cinema. Na TV, esteve em grandes sucessos, como “Esperança”, “O Quinto dos Infernos” e “A Cabana do Pai Tomás”, sua primeira novela. Nos palcos, esteve em várias montagens de sucesso, como “Vestido de Noiva” (1956), na qual conheceu sua futura esposa. Nicette Bruno, com quem viveria por 60 anos e teria três filhos: os atores Beth Goulart, Bárbara Bruno e Paulo Goulart Filho.

“É o último da geração de grandes atores. As mulheres ainda resistem, mas os homens estão indo. Ele fez parte dos que criaram a história do teatro brasileiro”, disse o crítico de cinema Rubens Ewald Filho à época.


Completa este time de atores que deixam os palcos e a tela o ator Hugo Carvana. Ele faleceu aos 77 anos, vítima de complicações no pulmão. “Ele não era somente um ator extraordinário, mas diretor, um intelectual que pensava o Brasil. É uma coincidência triste: Carvana era como José Wilker, um autor, pensava as coisas do Brasil, do cinema, tinha interesse grande pelo estado do mundo,” comentou o diretor Cacá Diegues, na época da morte de Carvana.

Esporte


Natural de Campinas, o narrador esportivo Luciano do Valle não resistiu a uma parada respiratória. Com uma extensa carreira, passando pela Rede Globo, TV Record e Bandeirantes, cobriu os mais importantes eventos da área em todo mundo. Ficou também conhecido por contribuir com a popularização do vôlei.

Eduardo Coutinho (1933-2014)

FOTO: bianca aun / divulgação
Maior documentarista do cinema nacional e um dos mais respeitados do gênero no mundo todo, ganhou aclamação com obras como “Edifício Master” e “Cabra Marcado para Morrer”. Por este último, venceu prêmios no festival de Berlim. Ficou eternizado pelas entrevistas confessionais que extraía de seus personagens.

José Wilker (1944-2014)


FOTO: c. carvalho / divulgaçãoNascido em Juazeiro do Norte, José Wilker começou a carreira aos 13 anos como figurante. Em 1967, mudou-se para o Rio de Janeiro para estudar sociologia na PUC, mas largou para dedicar-se ao teatro. Tornou-se referência na área, também como diretor, além de ter sido também comentarista de cinema.

Robin Williams (1951-2014)




FOTO: reed saxon / ap

Um dos comediantes mais respeitados em Hollywood, iniciou a carreira como stand-up e estourou com a série “Mork & Mindy”. Recebeu o Oscar de ator coadjuvante em 1999 por sua performance em “Gênio Indomável”. Após o suicídio, sua esposa revelou que ele havia sido recentemente diagnosticado com mal de Parkinson.

Paulo Goulart (1933-2014)

FOTO: globo / divulgação
Vencedor do prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte e do Prêmio Molière como melhor ator, Paulo Goulart era carioca e estreou em novelas em 1951, na TV Tupi. Passou pelo teatro e cinema. No ano de sua morte foi homenageado na 26ª edição do Prêmio Shell de Teatro de São Paulo.















Lauren Bacall (1924-2014)

FOTO: warner / divulgaçãoUma das maiores divas da era de ouro hollywoodiana, ficou eternizada por suas performances em clássicos noir como “Uma Aventura na Martinica” e “A Beira do Abismo”, em que conheceu o marido, Humphrey Bogart. Sua última grande participação nas telas foi em “Dogville” e “Manderlay”, de Lars Von Trier.

Roberto Gómes Bolaños (1929-2014)


FOTO: ap / divulgaçãoConhecido como Chesperito, o ator mexicano faz parte da televisão brasileira pelo sucesso que os programas “Chaves” e “Chapolin” fazem até hoje. Como escritor, foi responsável por outros roteiros de TV e três livros. Além disso, trabalhou atrás das câmeras na produção de oito programas.

Fonte: http://www.otempo.com.br/divers%C3%A3o/magazine/as-imagens-que-far%C3%A3o-falta-1.967308

Comentários