50 anos da jovem guarda

Fenômeno musical surgido a partir de programa de TV trouxe rock dos Beatles para o Brasil e deixa até hoje suas marcas

Os representantes da jovem guarda ao lado de matérias de época e objetos de suas músicas Foto: Arte de André Mello com fotos de arquivo
RIO — As emissoras de TV viviam em guerra já em 1965. A Record tinha um projeto de programa para as tardes de domingo, disposta a bater de frente com o “Festival da Juventude”, o líder de audiência, da Excelsior. A nova atração entraria no ar em setembro, mas aí a Record sofreu um desfalque súbito em sua grade (perdeu os direitos de transmitir um jogo de futebol que estava previsto), e se viu obrigada a estrear a novidade na tarde de 22 de agosto. No comando, um cantor capixaba que começava a se notabilizar em São Paulo, após algum sucesso no Rio: Roberto Carlos.

Assim, há quase 50 anos, num estúdio paulistano na Rua da Consolação, entrava no ar, meio aos trancos e barrancos, “Jovem Guarda”, programa que daria nome a um dos mais populares e menos compreendidos fenômenos culturais brasileiros, de astros musicais que traduziam a revolução rock dos Beatles para a garotada tupiniquim.
A INTRODUÇÃO DA GUITARRA
Roberto, seu parceiro/amigo/irmão Erasmo Carlos (o Tremendão) e Wanderléa (a Ternurinha) foram o esteio da Jovem Guarda, que durou até 1968 como programa de auditório, mas, como estilo musical, repertório e paradigma de popularidade artística, resiste até os dias de hoje. Renato & seus Blue Caps, Eduardo Araújo, Os Incríveis, The Fevers, Jerry Adriani, Wanderley Cardoso, Ronnie Von, Leno & Lilian, Golden Boys, Martinha... todo um rol de artistas ficou marcado para a eternidade pelo rótulo “jovem guarda”, não importando o grau de seu envolvimento (ou não envolvimento) com o programa.

De fato, aquele nome — que, dependendo da versão, pode ter vindo da frase de Lênin sacada pelo publicitário Carlito Maia (“O futuro do socialismo repousa nos ombros da jovem guarda”) ou do título da coluna do futuro empresário da noite Ricardo Amaral no jornal “Última Hora” — era poderoso. E inaugurou, para além da música, uma era em que a juventude passou a ter sua própria linguagem (com expressões como “broto”, “papo firme”, “brasa”) e seus próprios objetos de consumo, como álbuns de figurinhas, peças de vestuário (da Coleção Calhambeque), amplificadores de guitarra (Tremendão), bonecos e chicletes.
— Existe uma tendência de reduzir a jovem guarda a um movimento mercadológico ou comportamental — alerta Paulo Cesar de Araújo, autor da biografia “Roberto Carlos em detalhes”. — Seu alcance, de fato, foi amplo. As meninas que hoje usam minissaia têm que agradecer a Wanderléa. Mas há um aspecto musical muito importante, principalmente no que se refere à introdução da guitarra na música brasileira, que é deixado de lado. A jovem guarda trouxe para a cena grandes músicos, como Renato e Paulo Cesar Barros (irmãos, respectivamente guitarrista e baixista do Renato e seus Blue Caps), Manito (saxofonista dos Incríveis) e Aladim (guitarrista dos Jordans), além de Lafayette, organista dos discos de Roberto.
— Quando Renato e seus Blue Caps gravaram “Menina linda” (versão de “I should have known better”, dos Beatles) foi um grande sucesso, e o disco vendeu aqui mais do que o dos próprios Beatles — conta Ricardo Pugialli, autor do livro “No embalo da jovem guarda” (depois reeditado como “Almanaque da jovem guarda”). — Aquele era o iê-iê-iê, a música que a jovem guarda pôs no liquidificador com muito pop italiano e francês e depois distribuiu nas forminhas certas.
— No aniversário da minha irmã, fizeram um bolo que tinha como enfeites quatro bonequinhos tocando guitarras, baixo e bateria. Esperei ansioso que cortassem um pedaço para que eu pudesse brincar com aquelas miniaturas dos Incríveis. Fiquei muito decepcionado quando um estraga-prazeres me disse que aqueles não eram os Incríveis e, sim, os Beatles — recorda-se Humberto Gessinger, discípulo da jovem guarda que em 1990 embalou o Brasil com uma regravação de “Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones”, hit dos Incríveis 23 anos antes.
AS PROVAS DA FORÇA AUTORAL
Outro discípulo da JG, Gabriel Thomaz, guitarrista dos grupos Autoramas e Lafeyette e os Tremendões (do lendário organista), diz que, além de ter revelado “a maior dupla de todos os tempos da música brasileira” (Roberto e Erasmo), a jovem guarda, como um todo, ainda é referência para significativa parte da música nacional.
— Quando, por exemplo, um grupo de pagode como o Raça Negra resolve fazer um disco de regravações, ele vai justamente naquele repertório. E o mesmo acontece com as bandas de rock alternativo, ainda que mais elitizado — diz.
— A jovem guarda tinha um universo de discurso bem limitado, quase sempre sobre juventude e amor, mas que era muito bem resolvido — analisa o músico, linguista e professor da USP Luiz Tatit.
Para Marcelo Fróes, autor do livro “Jovem guarda: em ritmo de aventura”, o tempo provou que a jovem guarda não foi só versão de música internacional:
— Além de Roberto e Erasmo, as décadas posteriores revelaram a força autoral de outros nomes. Marisa Monte (que gravou “Negro gato”, de Getúlio Côrtes), Adriana Calcanhotto (“Devolva-me”, de Renato Barros e Lílian) e Barão Vermelho (“Vem quente que eu estou fervendo”, de Eduardo Araújo e Carlos Imperial) mostraram isso.







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