Porta fechada para os jovens

Estado encerrará serviço pioneiro no tratamento de adolescentes infratores e usuários de drogas


Caput

PUBLICADO EM 16/06/15 - 03h00
“Ela vivia saindo de casa de madrugada para se drogar. E, assim, foi se matando, e me matando junto”. Há pouco mais de um ano, a rotina de Adriana Carmem Vidal Gomes, 38, era passar noites em claro procurando pela filha, hoje com 17 anos, que sumia pelas ruas de Belo Horizonte para usar drogas. Agressiva e rebelde, a garota chegou a ficar 11 dias em coma pelo uso excessivo de cocaína e loló, até ser encaminhada ao Centro de Atendimento e Proteção ao Jovem Usuário de Tóxicos (Caput), onde viu sua vida ser transformada pelo tratamento oferecido.

Embora bem sucedido e elogiado por familiares e adolescentes, o serviço especializado no tratamento de jovens usuários será encerrado abruptamente pelo governo do Estado, ainda este mês. A Secretaria de Estado de Saúde (SES) afirma que os adolescentes continuarão a ser atendidos, de forma individual, com a transferência dos casos à rede municipal de atenção psicossocial.
Recebida de modo não oficial na semana passada, a notícia foi um baque para a equipe de 25 profissionais e para os 194 adolescentes atendidos atualmente no Caput. Revoltados, familiares reivindicam a manutenção do espaço, por onde já passaram 1.400 adolescentes em dois anos e nove meses de trabalho. O temor é de que os jovens tenham recaídas.
Parceiros do Caput, inclusive no encaminhamento de adolescentes autores de atos infracionais, Ministério Público de Minas e Poder Judiciário tentaram por cerca de seis meses garantir a permanência do serviço, considerado altamente qualificado. Segundo o promotor de Justiça Márcio Oliveira, da Promotoria da Infância e Juventude, dezenas de reuniões foram realizadas e ofícios encaminhados ao Estado desde o fim do ano passado. O governo, no entanto, mostrou-se irredutível.
Entenda. O Caput oferece gratuitamente serviço clínico psicossocial a jovens de 12 a 18 anos envolvidos com o uso abusivo de drogas, por meio de atendimentos psicológicos, psiquiátricos e atividades psicossociais, como oficinas de música, dança e arte. O espaço fica no bairro Santa Efigênia e é mantido por convênio da ONG Associação Imagem Comunitária com a SES.
Coordenador clínico do Caput, o psiquiatra e psicanalista Musso Greco explica que o espaço fechará as portas no próximo dia 30. “O Estado alega falta de dinheiro e não há identificação com o projeto”, diz.
A justificativa da SES é de que o serviço não está inserido na rede de saúde da capital. Em nota, a pasta informou que “os adolescentes estão fora do sistema de saúde do município, sem monitoramento do cuidado prestado na instituição”.
“Se olharmos a quantidade de atendimentos que faz, o custo do Caput é muito barato, além de ser especializado de uma forma que a rede convencional está longe de poder oferecer”, avalia o promotor da Infância e Juventude.
Custo
Repasse. A manutenção do Caput, incluindo despesas com aluguel, materiais e pessoal, demanda investimento do governo de menos de R$ 1 milhão por ano – média de R$ 416 mensais por jovem.

Sucesso supera 80% dos casos 

Além do atendimento diferenciado, que alia tratamento de saúde mental com oficinas práticas, o serviço prestado pelo Caput motivou a espontânea redução, substituição ou interrupção do uso de drogas em 82% dos jovens que aderiram ao tratamento do centro. A afirmação é do coordenador clínico da entidade, Musso Greco.
“O diferencial é que não focamos o tratamento na dependência da droga nem na exigência da abstinência, mas sim no sujeito. Entendemos que o uso da droga é sintoma de uma perturbação do sujeito, então vamos atendê-lo nessa transição própria da adolescência”, explica Greco. Conforme o coordenador, a maior parte dos atendidos são jovens pobres, de periferia e com famílias desarticuladas. “O projeto é individualizado. No primeiro atendimento construímos o projeto terapêutico de cada um, e trabalhamos com o resgate de sua história e referências culturais”.
Recomeço. Há três anos frequentando o Caput três vezes por semana, Israel Rodolfo Freitas dos Santos, 18, começou os atendimentos por encaminhamento judicial, mas, já em liberdade, há um ano frequenta a casa porque gosta. “Usava cocaína e maconha e dei um basta. Esse mundo é pura ilusão, fácil te dá, e fácil te ‘toma’: é cadeia ou caixão. Mas descobri que existem outros meios de ser feliz”, afirma. “Queria um dia trabalhar aqui para ajudar outros como me ajudaram”.
Para o promotor da Infância e Juventude Márcio Oliveira, a alegação de que o Caput não se enquadra no propósito da rede de saúde pública é “bobagem”. “Perdemos um suporte altamente qualificado. É uma perda para o sistema e até para a política de prevenção”. Oliveira avalia o serviço como uma experiência diferente, que oferece atendimento de maneira melhor do que na rede pública convencional, que, em sua avaliação, jamais conseguirá um índice de sucesso semelhante.
Já Greco defende que não há outro atendimento especializado como o ofertado pelo Caput na capital. 
Saiba mais
Atendimentos. O Caput atende, em média, 200 jovens por mês, cerca de 60% deles em cumprimento de medidas socioeducativas e encaminhados pela Justiça. Outros encaminhamentos são feitos pelo Conselho Tutelar ou pelos serviços de assistência social. Além disso, 11% chegam por demanda espontânea.
Estrutura. Os adolescentes são atendidos por equipe multidisciplinar, incluindo três psiquiatras, quatro psicólogos e dez oficineiros. 

Histórico. Dos 1.400 primeiros atendimentos feitos em quase três anos, 42% aderiram ao tratamento, número considerado bom em serviços para adolescentes.
Atualizada às 11h03
Fonte: http://www.otempo.com.br/cidades/porta-fechada-para-os-jovens-1.1055463

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