Padres apaixonados: o dilema entre viver o amor e o celibato

Para sacerdotes, incerteza financeira pesa na hora de abandonar a batina

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Dualidade. Ao mesmo tempo em que diz que o celibato pode ser discutido, o papa Francisco exorta os padres a se manterem fiéis a exigência da Igreja

Roma, Itália. Eles não planejaram se apaixonar, mas aconteceu. Eles não queriam se tornar assunto de fofocas, mas são. Eles não tinham imaginado viver uma vida de paixões furtivas e encontros secretos, mas é o que tem acontecido desde que uma mulher e um sacerdote desafiaram um tabu da Igreja Católica Romana e se envolveram romanticamente.
“Algumas pessoas me veem como um diabo, uma coisa suja”, afirma a mulher que, juntamente com o padre com quem está envolvida, concordou em discutir a sua situação, em uma entrevista num hotel longe de sua paróquia. Eles pediram para permanecer no anonimato, temendo a reprovação de familiares, amigos e paroquianos.
“Eu me arrisco a perder tudo se isso vier à tona”, confirma o sacerdote. No entanto, eles concordaram em falar, explica sua parceira, “porque o sofrimento empurra você a fazer alguma coisa, para tentar mudar essa injustiça”.
Grupos. Uma pesquisa online com o tema “apaixonada por um padre” produz blogs e mais blogs sobre amantes envolvidas com pessoas da igreja, em um grande número de línguas. Há também grupos de apoio nas redes sociais. Um grupo de 26 mulheres até pediu ao papa Francisco que mude a exigência do celibato para os sacerdotes.
“É realmente difícil explicar esse relacionamento para alguém que não passou por isso”, conta uma das mulheres que assinou a carta para o papa, mas não quer o seu nome impresso. “Nós queríamos que o papa soubesse que o sofrimento é generalizado”, diz.
Ela escreveu de novo para o papa em setembro, antes do Sínodo dos Bispos, uma reunião de 200 clérigos no Vaticano para discutir problemas enfrentados pelas famílias na sociedade contemporânea.
Nas últimas décadas, este foi o sínodo acompanhado mais de perto, e alguns peritos do Vaticano mostraram uma correlação com a reunião convocada pelo papa Paulo VI em 1971, em que a obrigação do celibato para os sacerdotes foi o assunto mais quente. Naquele ano, após debates intensos, o sínodo reafirmou a obrigação do celibato, e não houve nenhuma revisão oficial dessa posição nos últimos 40 anos. Aqueles que estavam esperando que a questão fosse revisitada na reunião de outubro se decepcionaram novamente.
Guinada. O debate teve uma reviravolta quando o papa Bento XVI decidiu, em 2009, criar um mecanismo para acolher sacerdotes da Comunhão Anglicana na Igreja Católica Romana, abrindo a porta aos membros do clero que possuam famílias.
“É a prova de que pode haver sacerdotes casados na igreja, não significa que o mundo vai acabar”, explica Walker.
Aqueles que desejam uma mudança de opinião da igreja tiveram mais um incentivo em maio, quando o papa Francisco disse aos jornalistas que o celibato clerical poderia ser discutido. “O celibato não é uma questão de dogma, mas sim uma regra de vida, que eu aprecio muito e creio ser um presente para a Igreja”, afirmou o papa durante um voo de regresso do Oriente Médio. “Mas, uma vez que não se trata de um dogma, a porta está sempre aberta”, lembrou.
Mas ao mesmo tempo que parece aberto a uma mudança nas regras, o pontífice também exortou os sacerdotes a levar o celibato a sério e a deixar a igreja se não conseguirem, especialmente se tiverem filhos.
Dificuldade. Mas, para muitos clérigos em relacionamentos sérios, deixar o sacerdócio é complicado. Alguns padres falam dos procedimentos aviltantes pelos quais têm que passar para que possam abdicar do ministério, agravados pela falta de apoio dos bispos, que muitas vezes tentam fazê-los mudar de ideia.
Em conversas com peritos da igreja, padres e as mulheres com quem se relacionam, muitos disseram que as incertezas financeiras são um elemento importante na hora de dissuadir o candidato a deixar o ministério. O padre que concordou em discutir o seu relacionamento na entrevista concedida no hotel se preocupa com isso. “O que eu poderia fazer, descarregar caminhões?”, pergunta ele. “Vivemos uma crise, e, além disso, estou muito acostumado a ser sacerdote. Eu gosto de ser padre e acho que sou bom nisso”, contou.
Na verdade, ele acredita que seu relacionamento melhorou seu trabalho como sacerdote. “Desde que estou com ela, sou um padre melhor, porque estou calmo, relaxado. O único problema é ter que agir secretamente.”
Fonte: http://www.otempo.com.br/interessa/padres-apaixonados-o-dilema-entre-viver-o-amor-e-o-celibato-1.953838

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