Após viver ‘caçada’, casal de etnias distintas volta para casa

União de Zakia, uma sunita tadjique, e Mohammad Ali, um xiita hazara, foi feita escondida


FORBIDDEN NORDLAND NSPR 1


Bamian, Afeganistão. Depois de quase um ano em fuga, o casal de jovens amantes Zakia e Mohammad Ali está de volta à vila afegã onde seu caso de amor e seus problemas começaram. Eles enfrentaram acusações criminais e ameaças de morte após fugirem de sua aldeia nas montanhas do Afeganistão central, no ano passado, para se casarem. Agora, as questões jurídicas foram resolvidas, e seu casamento, legalmente reconhecido.
A família dele os recebeu de volta, mas a dela é bem diferente. Eles permanecem veementemente contrários à união de Zakia, que é da etnia tadjique e sunita, e Mohammad, hazara e xiita.
Quando Mohammad Ali, 22, trabalha nos campos da fazenda de sua família, veste uma camisa larga e uma pistola presa ao seu cinto aparece por baixo dela. Zakia Ali, 19, não sai nunca por medo de encontrar alguém de sua própria família.
Seu pai e seus irmãos juraram publicamente matar a moça e Mohammad quando os dois fugiram. Eles o acusaram de raptá-la e disseram que ela já era casada com um homem que nunca havia visto antes, escolhido por seu pai.
“Sei que ainda há risco para nós, mas não tivemos escolha. A minha terra é o lugar que vou amar sempre, e cada canto das montanhas do meu país é precioso para mim”, disse Mohammad, feliz agora que voltaram para as serras escarpadas que rodeiam o vale de Bamian.
O casal enfrentou muitos obstáculos desde que fugiu, no dia 21 de março de 2014. Foram meses de fuga seguidos pela captura de Mohammad Ali pela polícia em Cabul, de quem ele apanhava todos os dias. Zakia Ali se refugiou em um abrigo controlado pelo grupo de caridade Women for Afghan Women (Mulheres pelas Mulheres Afegãs). Advogadas do grupo conseguiram libertar Mohammad, os dois se reencontraram, e seu casamento foi oficialmente reconhecido.
Após passar quase um ano tentando se esconder, o casal decidiu voltar para casa. “Chega de fugir”, disse Mohammad em fevereiro. Agora, a família está maior. O bebê é uma menina chamada Ruqia, que nasceu no fim de dezembro. “Essa é a prova de que temos que ficar juntos. Ninguém pode nos tirar isso agora”, acrescentou ele, acenando em direção à filha.
Economicamente, a situação dos dois é desesperadora. Eles tinham pouca comida e combustível para aquecimento até mesmo durante o rigoroso inverno aqui e faziam fogo com arbustos e esterco em vez de madeira ou carvão, que são muito caros.
Mohammad disse que estão se virando graças a um benfeitor anônimo nos Estados Unidos, que tinha lido sobre sua situação e mandou US$ 1.000 por meio da Western Union para ajudar a cuidar do bebê. Ele usou metade do dinheiro para comprar comida e combustível para a família, dez adultos e nove crianças que compartilham a casa do pai, e, com o resto, comprou a arma que carrega agora.
O chefe da polícia de Bamian, Mohammad Ali Lagzi, disse que as autoridades estavam cientes dos riscos do casal. “Desde que eles voltaram, estamos de olho. É trabalho da polícia se certificar de que todo cidadão esteja seguro”, ele disse. O casal não acredita muito na proteção real que a polícia poderia oferecer em uma comunidade rural, e a família da Zakia tem uma casa aqui perto.
Se eles sobreviverem, Zakia disse, querem que a filha tenha a educação que nenhum deles teve. “Não importa que seja uma menina. Só não quero que ela seja analfabeta como nós”. Se viverem para ver Ruqia adulta, acrescentou Mohammad, uma coisa é certa: “Não escolheremos seu marido. Ela é que vai fazer isso”.
Países ocidentais negaram asilo
Bamian. Antes de voltarem para casa permanentemente, Mohammad e Zakia retornaram por um curto período à aldeia, mas logo um dos irmãos dela, armado com uma pistola e uma faca, perseguiu Mohammad pelos campos de batata. Ele conseguiu escapar, mas os dois, com Zakia já grávida, fugiram em busca de proteção para as distantes aldeias nas montanhas de Yakawlang.
No entanto, ela estava tendo uma gravidez difícil, e havia poucos serviços médicos no distrito, então voltaram a se esconder em Cabul, em agosto.

“Eles vivem constantemente com medo”, disse Aziza Ahmadi, diretora de assuntos femininos na província de Bamian. “Eles realmente correm perigo se ficarem aqui. Seria melhor saírem do país”, disse Aziza.

Já tentaram isso também. Funcionários da embaixada dos Estados Unidos, bem como de várias embaixadas europeias em Cabul, disseram a eles que poderiam considerar seu pedido de asilo somente se antes se refugiassem em um país vizinho.

Em outubro, foram para o Tadjiquistão portando vistos com a intenção de conseguir o status de refugiados, na esperança de então pedir asilo no Ocidente.

As autoridades disseram que eles se encaixavam em pelo menos cinco requisitos, o que normalmente garantiria o asilo, mas, pouco tempo depois de começarem o processo de registro no Alto Comissariado para Refugiados da ONU no Tadjiquistão, Zakia e Mohammad foram parados em uma rua movimentada da capital por dois homens que se identificaram como policiais e que roubaram suas economias e os deportaram.

Com a gravidez de Zakia quase a termo, eles decidiram retornar para Bamian.
Fonte:http://www.otempo.com.br/capa/mundo/ap%C3%B3s-viver-ca%C3%A7ada-casal-de-etnias-distintas-volta-para-casa-1.1016612

Comentários