Ruptura da simetria do corpo começa a ser desvendada

Biólogos tentam explicar por que algumas pessoas desenvolvem órgãos em posições invertidas


Cientistas estudam alguns dos passos pelos quais os órgãos se desenvolvem à esquerda ou à direita no
Cientistas estudam alguns dos passos pelos quais os órgãos se desenvolvem à esquerda ou à direita nos humanos
CARL ZIMMER
Nova York, EUA. Num dia, em 1788, alunos da Escola de Medicina Hunterian, em Londres, abriram um cadáver e descobriram algo surpreendente. A anatomia do morto era uma imagem espelhada da que seria normal. Seu fígado ficava no lado esquerdo, e não no direito. Seu coração tinha batido no lado direito, em vez de no esquerdo.
Os estudantes nunca tinham visto nada assim, e foram correndo procurar o seu professor, o físico escocês Matthew Baillie, que ficou tão impressionado quanto eles. “Encontrar algo assim é extraordinário e raro mesmo para os mais renomados anatomistas”, escreveu ele mais tarde.
O relatório de Baillie foi a primeira descrição detalhada dessa condição, que passou a ser conhecida como “situs inversus” e parece ocorrer em cerca de uma em cada 20 mil pessoas. Baillie argumentou que, se os médicos conseguissem entender o funcionamento dessa doença, talvez pudessem compreender como o nosso corpo normalmente distingue o lado direito do esquerdo.
Mais de dois séculos depois, o mistério da esquerda e da direita ainda cativa os cientistas. “Eu sei e você sabe qual a diferença entre a esquerda e a direita, mas como é que o embrião aprende a distingui-las?”, perguntou Dominic P. Norris, biólogo desenvolvimentista do Conselho de Pesquisa Médica, de Harwell, Inglaterra.
Agora, Norris e outros cientistas estão começando a responder a essa pergunta. Eles já explicitaram alguns dos passos pelos quais os órgãos dos embriões se desenvolvem à esquerda ou à direita. E a pesquisa que eles têm realizado pode fazer bem mais do que simplesmente resolver um antigo quebra-cabeça.
As mutações que causam o “situs inversus” podem levar a vários distúrbios graves, incluindo defeitos cardíacos congênitos. Decifrar os efeitos dos genes alterados pode vir a gerar maneiras de diagnosticar e tratar essas condições.
Os biólogos identificaram o ponto exato em que essa simetria começa a se romper: um pequeno caroço chamado nódulo, na linha mediana do embrião. O interior do nódulo é forrado por centenas de pequenos pelos, chamados cílios, que giram em um ritmo de dez vezes por segundo.
Esses cílios são inclinados, apontando para longe da cabeça. A inclinação é essencial para a sua capacidade de dividir o corpo em esquerda e direita. Recentemente, Kathryn V. Anderson e seus colegas do Centro Oncológico Memorial Sloan-Kettering desativaram genes necessários para inclinar os cílios no nódulo. Como eles relatam no periódico “Development”, essa mutação fez com que alguns embriões de camundongos desenvolvessem uma anatomia de imagem especular.
A inclinação dos cílios é bastante importante porque o embrião está imerso em uma película fina de líquido; se eles estivessem íntegros, empurrariam o fluido em todas as direções, criando uma ausência total de fluxo. “É como um liquidificador”, disse o doutor Norris. “Não para de girar”. Inclinados, os cílios empurram o fluido que envolve o embrião em uma direção, da direita para a esquerda. Quando os cientistas inverteram esse fluxo em embriões de ratos, aconteceu a formação de órgãos invertidos.

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