Guarani ainda é falado por 90% da população paraguaia

Nação é a única da América onde a maioria fala uma língua indígena


Orgulho nacional. Grupo Invidente canta em guarani em programa de televisão paraguaio; Constituição equiparou o idioma ao espanhol
Nação é a única da América onde a maioria fala uma língua indígena
SIMON ROMERO
Nova York, EUA. Idioma falado em todo o Brasil e nos países da bacia platina até meados do século XVII, o guarani sobrevive até os dias de hoje no Paraguai - único país na América onde a maioria da população ainda fala uma língua indígena. Na nação paraguaia, o idioma está consagrado na Constituição, o que lhe rende posição equivalente à da língua de origem europeia também falada no país, o espanhol. Pelas ruas, o guarani é fonte de orgulho nacional. 
"Somente 54 das nossas quase 12 mil escolas ensinam o português, mas todas elas ensinam o guarani", exalta a diretora de currículos do Ministério da Educação, Nancy Benitez. 

No Paraguai, menos de 5% da população é de origem indígena. Todavia, estima-se que o guarani seja falado por 90% dos paraguaios, incluindo muitos das classes média e alta e até os candidatos à Presidência. 

"Mba’eichapa?", pergunta Alex Jun, 27, imigrante coreano que trabalha no restaurante da família no centro de Assunção, ao cumprimentar clientes. A frase, em guarani, significa "como vai?". "Acabaríamos falindo se não soubéssemos, pelo menos, o básico", explica. 

Linguistas e historiadores afirmam que as complexas razões para o abrangente uso da língua indígena no país datam das primeiras incursões espanholas, ainda no século XVI. A "encomienda", sistema econômico espanhol que obrigava os indígenas a trabalhar para os europeus e seus descendentes, não penetrou essa grande parte do território latino-americano que, posteriormente, transformou-se no Paraguai. 

Contemporaneamente, os missionários jesuítas criaram comunidades para os índios guaranis e outras populações indígenas, cobrindo uma grande parte do território, como mostrado no filme "A Missão", de 1986. Eles protegiam os guaranis contra as expedições escravagistas, enquanto conservavam a língua em livros e sermões. 

Quando a Espanha expulsou os jesuítas, em 1767, mais de cem mil falantes de guarani se espalharam pelo Paraguai, segundo o linguista norte-americano Shaw N. Gynan. Décadas depois, essas pessoas formaram a massa de apoio ao ditador José Gaspar Rodriguez de Francia, que mirou suas forças contra a elite de língua-mãe espanhola. 

Déspota que governou até 1840, Francia era chamado de Carai Guazu, ou Grande Senhor. Ele proibiu o casamento entre os brancos das classes mais altas, fechou as fronteiras do Paraguai e usou informantes que falavam guarani para segurar seu governo. O resultado foi uma elite manca ao fim do governo Francia.

Outros ditadores, posteriormente, usariam o guarani para exaltar o orgulho nacional. Generais mobilizaram tropas em guarani na devastadora Guerra da Tripla Aliança, que matou mais de 60% da população em 1860. 

"Por mais perturbador que isso possa parecer, os líderes políticos no Paraguai acharam conveniente apelar para as massas em guarani, frequentemente suprimindo as forças liberais no processo", contou o linguista Gynan. 

Quando a democracia foi estabelecida nos anos 1990, novas medidas foram tomadas para fortalecer o guarani. A Constituição de 1992 equiparou o idioma ao Espanhol. Funcionários do governo afirmam que eles expandiram agressivamente o ensino da língua nas escolas primárias. 

Outro fator importante para a conservação da língua indígena no território paraguaio foi o isolamento. O escritor paraguaio Augusto Roa Bastos, que misturava guarani e espanhol em suas obras, chamou essa nação de "uma ilha cercada de terra".

O ensino do guarani é um tema envolvido em nacionalismo e teorias sobre como evitar que a língua seja eclipsada pelo Espanhol, dominante no sistema legal e no mundo dos negócios. Por outro lado, o idioma está ampliando seu reinado. Obras como "Dom Quixote" e "O Livro de Mórmon" ganharam traduções para o guarani recentemente.



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