Em contínua transformação

Trajetória dos blogs chega aos 15 anos, desenhando novos caminhos sem excluir outros desde os diários pessoais

 Juliana Cunha
CARLOS ANDREI SIQUARA
Nenhuma outra plataforma surgida na internet talvez tenha perdurado e passado por tantas mudanças quantos os blogs. Desde aqueles desenhados como diários pessoais aos mais temáticos, são muitas as possibilidades inauguradas pelo invento, que foi assim batizado pelo norte-americano Jorn Barger em 1997. No Brasil, a gaúcha Viviane Vaz de Menezes é apontada como a primeira a experimentar a novidade, em 1998, com o seu “Delights to Cheer”.
 
Naquela época, ainda não havia serviços, como o pioneiro Blogger, que facilitou, a partir de 1999, a autopublicação, por meio de interfaces descomplicadas. Esse foi um passo importante para a emergência dos modelos de uso que impulsionaram a rápida segmentação dos blogs em nichos. Em torno desse movimento de diversificação, contudo, se encontram elementos comuns. O recorrente esboço de listas de favoritos, o tom confessional dos textos misturados à reflexão sobre os fatos cotidianos, além da facilidade do arquivamento de conteúdo são apenas alguns exemplos percebidos nos sítios virtuais espalhados pela blogosfera.
 
Quem acompanha o cenário nota ainda outras características que situam diferentes momentos relacionados ao meio. Face à trajetória, ao menos no país, de cerca de 15 anos – o que para o ambiente virtual é quase uma eternidade em razão da efemeridade dos processos ali envolvidos –, “blogar” ganhou motivações várias, mudando a maneira como as pessoas compreendiam o recurso e suas oportunidades. Se no início a utilização é marcada por certo grau de amadorismo, nos últimos anos se assistiu à profissionalização dos blogs, que se consolidaram como uma forma também de trabalho e de geração de renda. 
 
Para Juliana Cunha, 25, jornalista e criadora do blog “Já Matei por Menos”, o qual chegou à versão impressa lançada pela editora Lote 42, no início do ano, o atual estágio é bastante distante daquele encontrado no início da década passada, quando os blogs essencialmente pessoais predominavam. 
 
Colabora para isso as alterações no formato, cada vez mais próximo do layout dos portais de jornais ou revistas. 
 
“A plataforma logo foi incorporada pela lógica do mercado. Se pensarmos na maneira inicial como eles foram criados, muitos blogs de hoje se distanciam daqueles de uma geração anterior, ficando muito comercias. Esses últimos ao meu ver não têm muita graça. Eu achava mais interessante quando a internet era mais amadora”, relata Cunha. “Quando a rede se profissionalizou, um lado bom é que os recursos funcionam melhor e estão mais bonitos, porém eu não entendo muito bem por que uma pessoa lê um blog de moda ao invés de uma revista do gênero se o objetivo entre os dois não é diferente”, questiona. 
 
Sobre isso, Marcelo Träsel, pesquisador e professor de Comunicação Digital na PUC-RS também pontua: “Hoje em dia ficou difícil definir exatamente o que é um blog. O ‘Blog do Noblat’ é um blog, ou uma coluna de jornal online? O ‘Gizmodo’ é um blog, ou uma revista eletrônica? Ambos usam o formato narrativo de blogs, mas não sei se podemos considerá-los blogs como os que são mantidos por um anônimo qualquer”. 
 
Um pouco nostálgica em relação ao tema, Juliana, radicada em São Paulo, se mantém alinhada aos blogueiros que trazem a público suas reflexões, “como uma colunista de jornal não contratada”, resume ela. Na contramão das tendências recentes, ela está mais próxima da geração iniciada na plataforma em 2002, quando começou a colaborar para um projeto coletivo até inaugurar o “Já Matei por Menos”, em 2007.
 
Ao analisar o presente, ela observa que ninguém mais quer se arriscar online, o que deixa a maioria dos blogs como espécies de “salas de estar”. “O texto que mesclava a crônica com um olhar subjetivo para os fatos parece em franca decadência. As pessoas não querem mais se expor, e quando o fazem isso se dá por meio de fotografias. Mesmo assim, evitam revelar opiniões controversas que poderiam causar duras reações. Também no passado ninguém falava que dependendo do seu comportamento na internet você depois não conseguiria arrumar um emprego”, comenta.
Träsel, que integrou a equipe de colunistas do famoso e-zine Cardoso Online, compartilha visão semelhante. “Atualmente as pessoas criam um blog para receber dinheiro de anúncios e presentes de agências de publicidade. Todo mundo quer ser ‘problogger’. Foi-se a época da Internet utópica, da Internet arte. Nos anos 1990, no início dos anos 2000, as pessoas criavam blogs porque sentiam ter algo importante a comunicar. Queriam compartilhar pensamentos e emoções. Queriam se expressar como seres humanos. Hoje, querem fazer listas de dez melhores isso ou aquilo e ganhar maquiagem e cerveja de graça”, alfineta. 
 
Outra veterana da blogosfera, Cora Rónai ainda observa que os blogs sentiram o baque das redes sociais, como o Facebook e o Twitter, para onde os relatos pessoais migraram. Tal entendimento, inclusive, a fez ter a ideia de fechar a seção de comentários do blog “internETC.”, uma vez que a comunicação via Facebook dava sinais de maior intensidade. 
 
“Minha surpresa, porém, foi receber um grande volume de comentários me pedindo para não fazer isso. Algumas pessoas me disseram que se sentiam mais à vontade em dialogar via blog e isso me fez mudar de decisão. Apesar de ter ainda um bom acesso, ia manter o blog apenas como repositório das colunas que escrevo para o ‘O Globo’”, revela ela que não acredita no fim dos blogs. “Os mais genéricos talvez tenham sido engolidos pelas postagens no Facebook, mas outros com mais fôlego certamente sobreviverão”, acredita Cora Rónai.

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