Ciência não avança porque pacientes escondem a doença

Pesquisadores e médicos alertam para o risco de se ocultar enfermidade, porque esse comportamento pode atrapalhar as pesquisas para o tratamento da cura


Sintomas. O mal de Parkinson geralmente acontece em pessoas idosase apresentam vários problemas
Pesquisadores e médicos alertam para o risco de se ocultar enfermidade, porque esse comportamento pode atrapalhar as pesquisas para o tratamento da cura


Quando Nancy Mulhearn descobriu que tinha a doença de Parkinson, sete anos atrás, ela decidiu manter o diagnóstico em segredo, escondendo de amigos, colegas - até mesmo, no início, de sua mãe, irmã e filhos adolescentes. 
Depois de sete meses, ela decidiu contar para a família, e eles concordaram em não comentar o problema no dia a dia. Ela logo percebeu que os colegas de trabalho suspeitavam da situação: um deles perguntou porque ela tinha problemas para passar batom.
Por vezes, ela não conseguia controlar o tremor nas mãos. 
Mesmo assim, passaram-se anos até que Mulhearn, que hoje tem 51 anos e mora em Nova Jérsei, nos Estados Unidos, sentiu que não seria um problema falar abertamente de sua doença. Mulhearn, uma secretária de escola, se arrepende de ter demorado tanto para aceitar a situação.
"Não queria que as pessoas tivessem pena de mim", ela conta. "Ver as pessoas olhando para você e chorando - ninguém quer isso". 
Nesse ponto, Mulhearn não está sozinha. Médicos e pesquisadores afirmam que é muito comum os portadores da doença de Parkinson esconderem o diagnóstico, geralmente durante anos. 
Contudo, o segredo não é somente difícil de manter: especialistas temem que esse comportamento esteja atrasando as pesquisas necessárias para que sejam desenvolvidos novos tratamentos - mais eficientes.
Até mesmo, para que seja encontrada uma cura para a enfermidade. 
A doença avança ao longo de muitos anos, na medida em que as células cerebrais que produzem dopamina, um neurotransmissor, se deterioram lentamente. 
Sem a dopamina, os nervos têm dificuldade em enviar mensagens, o movimento dos membros se torna mais interrompido e difícil de controlar. 
Alguns pacientes, apesar de não todos, apresentam ainda problemas de memória, alterações na fala, dificuldades cognitivas, insônia e depressão. 

Maioria só vai ao médico quando quadro se agrava
O preconceito e a vergonha ainda mantêm os homens longe dos consultórios médicos, é o que aponta levantamento realizado com pacientes do Centro de Referência da Saúde do Homem, órgão da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. 
Por mês, mais de 1.500 mil homens, ou 60% do total de pacientes, chegam ao hospital com quadros considerados avançados e que necessitam de intervenção cirúrgica para combatê-los - como é o caso do câncer - ou quando os medicamentos que aliviam os sintomas não têm mais a mesma eficácia - como é o caso do mal de Parkinson.
De acordo com o médico chefe do serviço de urologia do hospital, Joaquim Claro, por questões exclusivamente culturais, muitos homens só passam pelo consultório quando sentem fortes dores, dificuldades para urinar ou perda total da libido. "Infelizmente esses pacientes acreditam que o provedor da casa não pode ficar doente", diz o médico.

Estudo não consegue voluntários
A falta de voluntários está de fato atrapalhando os testes clínicos de novas terapias, afirma Kenneth Marek, principal investigador da Iniciativa de Marcadores da Progressão de Parkinson, nos Estados Unidos.
A pesquisa determina a progressão da doença em pacientes que ainda não tomam remédios. Quanto menos danos tiverem sido infligidos no cérebro, mais fácil é distinguir os mecanismos primários da doença para os efeitos que aparecerão no futuro.

Como não há cura, quem sabe do mal espera os sintomas
Os tratamentos existentes hoje apenas aliviam os sintomas, mas não diminuem o avanço da doença de Parkinson. Em parte porque não há opções terapêuticas para quem é diagnosticado, muitos ignoram a doença até que os sintomas se tornem aparentes. 
Um correspondente da rede te TV norte-americana CBS, Bill Geist, 67, revelou recentemente, em um programa de entrevistas, que já vive com a doença há mais de uma década. Sua esposa finalmente contou para os filhos há quatro anos. Porém, até então, apenas o casal sabia da situação. Ele tomava dezenas de pílulas todos os dias em segredo e, durante sessões de autógrafos para promover seu livro, ele alegava que a letra "garranchuda" era consequência de uma fratura recente no punho. Muitos pacientes se recusam a aceitar a situação. Nancy Mulhearn conta que só conseguiu falar abertamente sobre a doença quando parou de se considerar um fardo para os outros. 
Muitos têm medo das consequências para a carreira. Rick Searman era um consultor de 53 anos, na Califórnia, nos EUA, quando foi diagnosticado. Ele só começou a falar para os clientes quando um deles o questionou. Depois disso, segundo ele, houve uma queda nos negócios. "Eles não precisam de mais uma razão para dizer não", ele afirma.

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