Brasileiro preso na Síria relata histórias de quem vive na guerra

Todos eram árabes e foram detidos por consequência da revolta no país


HELOÍSA MENDONÇA
Brasileiro preso na Síria relata histórias de quem vive na guerra
Porém, Cavalcanti não estava mais interessado em números. Ele queria dar nome e sobrenome às pessoas afetadas pelo conflito, mostrar seus dramas, suas vidas e rotinas. Escolheu como destino a cidade de Homs, a terceira maior do país, com 1, 7 milhão de habitantes, e um dos maiores epicentros do conflito entre o Exército sírio e os rebeldes. Ele foi o primeiro jornalista brasileiro a chegar lá.

Apesar de ter visto de imprensa, autorização síria para estar no país, contatos na embaixada brasileira e de ter deixado a barba grande para se passar por árabe, ele foi detido pelas forças de Assad no dia em que alcançou a cidade síria, sem saber oficialmente qual crime havia cometido. 

Passou seis dias preso, cinco deles, na Penitenciária Central de Homs. Mesmo encarcerado e angustiado, conseguiu compreender melhor o conflito que se passava do lado de fora.

"Eu fui para Homs porque eu queria mostrar a guerra e as pessoas e, lá na prisão, apesar de escutar os bombardeios, não consegui mostrar os confrontos, mas, sim, o lado humano, muito melhor do que se eu tivesse ficado solto. Naquele clima como estava a cidade, eu não ia encontrar ninguém na rua que pudesse ficar conversando comigo. As pessoas estavam com medo, muito nervosas", conta o jornalista, que esteve em Belo Horizonte na semana passada para divulgar o livro "Dias de Inferno na Síria", em que relata seus dias de confinamento.

Cavalcanti dividiu uma cela com outras 20 pessoas. Todos eram árabes comuns, que acabaram presos por circunstâncias da guerra, como o empresário Ammar Ali, o único que falava inglês e que se tornou um grande amigo e tradutor do jornalista. O detento tinha uma loja de roupas em um shopping em Homs, que faliu após o conflito começar, e se viu obrigado a contrabandear cigarros do Líbano para sustentar sua família. 

Outro colega de cela, um corretor de imóveis casado e com filho, perdeu o emprego com a guerra. E como falava francês fluente, foi contratado pelo Exército rebelde para ser tradutor de um fotógrafo francês que estava chegando à Síria. Acabou sendo detido acusado de estar ajudando os rebeldes. "Tinha muita gente que foi presa por tentar se virar como podia na guerra", explica o jornalista. 

Mesmo tendo que dormir no chão, viver em condições precárias de higiene, tomar uma água "péssima" da torneira e não saber o motivo de sua detenção nem quando sairia de lá, Cavalcanti conseguiu construir um grupo de amizade e solidariedade entre os presos, que o chamavam de "Sahari" (jornalista, em árabe).

Até hoje, leva no dedo anelar direito um anel que recebeu de presente do companheiro da penitenciaria Adnan al-Saad, 24. O jovem rebelde foi preso em confronto na fronteira do Líbano com a Síria e, ironicamente, era filho de um capitão do Exército sírio. "Eu não tiro esse anel mais para nada. Sempre me lembro deles lá, dos meus amigos", afirma. "Ele falava com muito rancor do pai, dizia que ele sempre tinha se dedicado mais ao Exército sírio do que à família. Então, era muito óbvio que, quando ele combatia o Exército, era para revidar o pai", completa. 

A ausência de notícias do jornalista fez com que seu editor e o embaixador do Brasil na Síria se mobilizassem para saber o seu paradeiro. A inteligência do país foi acionada, e Cavalcanti, libertado e levado de volta a Beirute. "Se eu soubesse que eu seria solto após os seis dias, eu teria curtido um pouco mais a prisão. Porque, humanamente falando, foi uma experiência fantástica. O que eu passei foi muito enriquecedor".

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