O vilão virou herói


Os ambientalistas erraram - e o Sr. Burns, dono da usina nuclear de Springfield, de Os Simpsons, é um herói. Em vez da energia solar, eólica ou hidrelétrica, a força que vai nos salvar do aquecimento global, quem diria, é a energia nuclear

Por Rodrigo Cavalcante, com edição de Leandro Nardoch


A rotativa alemã Heidelberg que imprimiu este texto usa cerca de 3200 kW de energia por hora. Os caminhões Mercedes e Volkswagen que levaram a Super às bancas queimaram cerca de 30 litros de óleo diesel a cada 100 quilômetros. Cada uma das 3 turbinas dos Boeings 727-200 que transportaram a Super a regiões distantes gastou 1 610 litros de querosene de aviação por hora. E, no momento em que você lê estas linhas, seu cérebro consome 20% da energia do seu corpo, produzida com as cerca de 2 500 calorias que você ingere diariamente. Viver é usar energia.
Sem ela, o mundo desliga. As crises mundiais do petróleo, na década de 1970, são um bom exemplo de como a dependência de uma fonte de energia pode mudar o curso da história. A alta do preço do barril em 1973 e 1978 por causa dos conflitos no Oriente Médio interrompeu o mais virtuoso ciclo de crescimento que o Ocidente vivera no século 20. No Brasil, a crise adiou o sonho de nos tornarmos uma potência: saltamos do milagre econômico, no início da década de 1970, para o endividamento e a estagnação das duas décadas seguintes. Mais recentemente, a ameaça do apagão elétrico no governo FHC, em 2001, só não foi uma catástrofe porque o Brasil cresceu a taxas medíocres. Sem energia, os preços ficam mais caros, os investimentos escasseiam e os pobres continuam pobres.
Para se salvar dessa estagnação, o ser humano criou vários jeitos de captar energia da natureza. De todos, as usinas nucleares são disparado o mais polêmico. Nenhuma forma de energia tem um passado tão horrível. A fissão nuclear é a tecnologia que gerou as bombas de Hiroshima e Nagasaki (pelo menos 130000 mortos em poucos segundos de 1945), que deixou o mundo tremendo de medo de uma destruição total durante a Guerra Fria e que, em 1986, matou 32 operários no acidente da usina de Chernobyl. Na ocasião, a radioatividade se espalhou com o vento para a Rússia e atingiu até regiões distantes como a França e a Itália.
Estima-se que pelo menos 4 000 pessoas, segundo a ONU, ou 200 000, segundo o Greenpeace, tenham sido vítimas de doenças provocadas pela contaminação, como câncer de tireóide. Apesar de hoje se saber que o acidente foi provocado por falhas humanas grosseiras nos procedimentos básicos de segurança e até mesmo por erros no projeto dos reatores, Chernobyl fez a energia nuclear virar sinônimo de desastre e destruição. Grupos ambientalistas fizeram dela seu principal inimigo. A energia nuclear ficou tão associada ao
mal que, poucos anos depois de Chernobyl, quando o desenhista Matt Groening criou o personagem Sr. Burns, o vilão de Os Simpsons, deu a ele o trabalho mais odioso da época: dono da usina de energia nuclear da cidade de Springfield.

Mas os tempos mudaram. Enquanto as usinas nucleares avançaram em segurança e controle dos resíduos radioativos, o mundo passou a sofrer com o gás carbônico emitido pelas fontes tradicionais de energia, como o petróleo e as usinas termoelétricas a carvão (Veja no infográfico o processo para gerar energia nuclear). Num mundo em que o aquecimento global é o grande problema, especialistas em energia estão fazendo perguntas incômodas para muitos ecologistas: será que a energia nuclear, apesar de todos os riscos e dos resíduos atômicos, não teria sido uma alternativa menos danosa ao meio ambiente do que as fontes que liberam gases causadores do efeito estufa e que colocam em risco todo o planeta? E mais: será que a Terra tem tempo para esperar por fontes alternativas como a solar e a eólica?
ELES MUDARAM DE IDÉIA
"Não", diz o cientista britânico James Lovelock, professor da Universidade de Oxford, considerado o pai do movimento ambientalista por ter criado a Hipótese Gaia, teoria que inspirou milhares de ecologistas e cientistas na década de 1970 com a idéia de que a Terra é um organismo vivo.

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