A poluição ameaça os rios sagrados

As águas outrora cristalinas dos rios mais importantes do cristianismo e do hinduísmo viraram apenas uma lembrança. Nas suas margens, cartazes de alerta sanitário avisam: "Dejetos venenosos, graves perigos para a saúde
Por Eduardo Araia e Luis Pellegrini
Não mais banhos de purificação no Ganges 
Não mais batismos no Jordão


Deshakalyan Chowdhury/AFP
Na página ao lado, mulheres hinduístas se lavam no Ganges em Varanasi. Nessa cidade, mais de 189 milhões de litros de esgoto não tratado chegam diariamente ao rio.
Ganges, a deusa ferida
Diariamente, mais de um milhão de pessoas vão se banhar nas águas do Rio Ganges em Varanasi, a principal cidade sagrada da Índia. A afluência maciça tem um motivo forte: de acordo com a religião majoritária do país, o hinduísmo, lavar-se no rio significa livrar-se de todos os pecados, passo indispensável para superar o ciclo de mortes e reencarnações. Mas os esgotos e resíduos industriais e agrícolas sem tratamento despejados incessantemente no Ganges podem converter as bênçãos desse banho em pesadelo. Os problemas do rio, liderados pela altíssima poluição, chegaram a tal ponto que o governo indiano resolveu contra-atacar em fevereiro com um superinvestimento: US$ 4 bilhões (25% dos quais bancados pelo Banco Mundial) para que, até 2020, a poluição originária de esgotos domésticos e indústrias não chegue mais ao Ganges.






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Acima, vista de Varanasi, a cidade mais sagrada da Índia. Em alguns trechos de sua passagem por ali, o Ganges já apresenta uma profundidade bem menor do que em décadas passadas.
À primeira vista, a dinheirama parece mais do que suficiente, mas uma imensa dose de cautela é recomendável no caso. Em primeiro lugar, a bacia desse rio de 2.510 quilômetros de extensão abriga cerca de 400 milhões de pessoas, e a atividade econômica da área se intensificou muito nas últimas décadas. Além disso, trata-se de uma divindade - o Ganges, na mitologia hinduísta, é a deusa Ganga, que veio dos céus para limpar as almas e facilitar seu acesso ao além. Portanto, erros na condução do salvamento do rio podem ter um impacto seriíssimo não apenas na saúde da região e de seus habitantes, mas também nesse milenar sistema de crença.
Poluição na Índia não é privilégio do Ganges, deve-se salientar. Segundo uma agência governamental ligada ao tema, apenas 31% do esgoto municipal do país passa por tratamento; o restante é lançado nos rios, lagos, terras e mares, contaminando as águas superficiais e subterrâneas. Mais de 500 mil dos 10,3 milhões de mortes na Índia em 2004 resultaram de doenças propagadas pela água, de acordo com dados sobre a mortalidade global reunidos pela Organização Mundial da Saúde. Mas o caso do Ganges ganha importância especial pela relação religiosa do rio com a população - muitos indianos simplesmente se recusam a aceitar que aquelas águas tragam doenças.

Só mais um ano para o Jordão
Jack Guez/AFP
Peregrinos cristãos ucranianos preparam-se para ser imersos nas águas do Jordão em Yardenit, no norte de Israel. Cerca de 100 mil turistas vão anualmente à Terra Santa para renovar suas promessas sacramentais, mas a poluição do rio ameaça esse turismo.
Proibidos os batismos em virtude da poluição", advertem os cartazes colocados pela vigilância sanitária israelense. Quem diria: o Rio Jordão, sagrado para metade da humanidade (somando cristãos, judeus e muçulmanos), tornou-se objeto de interdição balneária, como se fosse uma simples poça de água malcheirosa. Mas é verdade: dois milênios após o batismo de Jesus, aquelas águas puras, antes sombreadas por salgueiros, tamareiras, choupos e caniços, movimentadas em corredeiras, piscinas e cascatas, se tornaram um fluxo venenoso de esgotos e detritos industriais. Em muitos pontos, cartazes advertem: "Banhos a seu risco e perigo."
O decreto foi emitido pelo Ministério da Saúde israelense, que, ao dar as razões do impedimento, citou "graves perigos para a saúde no contato humano com a água altamente poluída". Supõe-se que, na outra margem, que pertence à Jordânia, quem quiser jogar-se às águas poderá fazê-lo, mas terá de tapar a boca e o nariz.


Assim, não mais sacramentos batismais. Os mais de 100 mil peregrinos que, a cada ano, se reúnem nas duas margens do Baixo Jordão para renovar as promessas sacramentais, incrementando ao mesmo tempo em muitos milhões de dólares as finanças de Israel e da Jordânia, estão devidamente avisados. Esse hoje pequeno rio malcheiroso, esverdeado, infestado por algas, de águas quase sempre paradas, não é mais alimentado pela água doce do Lago Tiberíades (também conhecido como Mar da Galileia). É, muito mais, um lamaçal dentro do qual se misturam os restos humanos das populações ribeirinhas, os corrimentos tóxicos de irrigação das terras agrícolas, as descargas dos criadouros de peixes e as águas salobras de variadas procedências.
Em suma, um rio de excrementos. A tal ponto que os ecologistas que visitam o Jordão, antes de chegarem a ele, usam os banheiros de postos de gasolina mais distantes para "não acrescentar mais água poluída àquelas jogadas no rio pelas comunidades locais".

A reportagem completa, você encontra no site: http://www.terra.com.br/revistaplaneta/edicoes/457/artigo190518-2.htm 

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