A polêmica reforma do Coliseu


Restauração do anfiteatro romano gera protestos por contar com patrocínio privado, enquanto outras construções históricas sofrem após corte de verbas do governo italiano

Paula Rocha
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As obras de revitalização do Coliseu custarão 28 milhões de euros
Construído há cerca de dois mil anos, o Anfiteatro Flaviano, popularmente conhecido como Coliseu, é um dos maiores símbolos do Império Romano que perdura até os dias atuais. Palco de sangrentas batalhas entre homens e feras, o monumento resistiu a intempéries, guerras e pilhagens até se tornar uma das principais atrações turísticas da Itália, atraindo cinco milhões de visitantes anualmente. Sua importância histórica, porém, também transformou o local no cerne de uma polêmica envolvendo o governo italiano e a iniciativa privada. Há duas semanas, o subsecretário de Cultura, Francesco Maria Giro, anunciou que em março de 2012 terá início uma grande reforma no Coliseu. Orçada em 28 milhões de euros, a obra será quase toda patrocinada pela luxuosa marca de sapatos italianos Tod’s, o que gerou protestos de entidades civis. A Codacons, uma associação pela proteção dos direitos dos consumidores na Itália, entrou com recurso no Tribunal Regional do Lácio para impedir o financiamento da obra pela Tod’s. A entidade alega que não houve licitação pública nem transparência na escolha da empresa como patrocinadora da restauração. “É provável que o Coliseu se torne uma propriedade privada da Tod’s”, disse Carlo Rienzi, presidente da Codacons, em comunicado oficial. “Por isso, pedimos ao Tribunal que impeça esse financiamento e esclareça a gestão de toda a operação.”

Segundo o subsecretário Giro, o Coliseu possui hoje três mil lesões em sua estrutura, entre elas várias fendas. O projeto de revitalização inclui a correção dessas avarias e a modernização dos sistemas de iluminação e de segurança do edifício. Também está planejada a construção de um centro de serviços em uma área de 1.600 metros quadrados anexa ao monumento, onde ficarão as bilheterias, uma livraria, uma cafeteria e banheiros, atualmente localizados dentro do Coliseu. A obra toda deve durar de 24 a 36 meses, período em que o anfitea­tro permanecerá aberto aos turistas. Além dos 25 milhões de euros que serão doados pela Tod’s, a reforma consumirá ainda outros 3 milhões de euros bancados pelo Estado – quantia que pode pesar para a já combalida economia italiana. Apesar de ser o país com o maior número de construções e sítios arqueológicos considerados patrimônio da humanidade pela Unesco, a Itália cortou seu orçamento para a cultura pela metade nos últimos três anos, passando de US$ 603 milhões para US$ 340 milhões. Verba que mal cobre os custos de manutenção e conservação dos 47 pontos tombados pela Unesco, sem contar outros patrimônios culturais. 

O descaso do governo italiano com sua herança histórica tornou-se evidente quando, em novembro de 2010, um edifício conhecido como “Casa dos Gladiadores” desabou no sítio arqueológico de Pompeia. Na época, o então ministro de Bens Culturais, Sandro Bondi, aliado de Silvio Berlusconi, admitiu que mais desmoronamentos poderiam acontecer. Foi o próprio Bondi, porém, quem caiu do cargo em março passado, deixando para seu sucessor, Giancarlo Galan, uma lista extensa de problemas (leia abaixo) e pouco dinheiro para consertá-los. Mais do que seu valor para a história da humanidade, o patrimônio histórico da Itália representa uma das principais fontes de renda do país. Suas riquezas arquitetônicas e naturais recebem por ano, em média, 45 milhões de visitantes de todas as partes do mundo, que fazem do turismo a indústria terciária mais importante da nação. Apenas o dinheiro decorrente dessa atividade corresponde a 8,6% do Produto Interno Bruto italiano. 

Para o arqueólogo Rodrigo Silva, professor do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp), a má conservação do patrimônio histórico da Itália não é decorrente da falta de dinheiro. “Mas, sim, da má administração desse dinheiro”, diz. Ele explica que monumentos e sítios arqueológicos tombados contam com três fontes de verbas: turismo, impostos e ajuda financeira da Unesco, o que seria suficiente para mantê-los. “No caso do Coliseu, o maior desafio não é restaurar, mas manter a restauração”, afirma. “E se há uma empresa italiana disposta a bancar esse processo, não vejo problema.” Presidida pelo magnata italiano Diego Della Valle, a Tod’s já havia investido US$ 7 milhões na revitalização da casa de concertos La Scala, em Milão. Agora desembolsará mais de quatro vezes esse valor em troca da autorização para filmar a restauração do Coliseu e usar essas imagens em campanhas publicitárias. “Todos acham que eu tenho a chave do Coliseu nas mãos agora”, disse Della Valle. “Mas vou investir na restauração sem receber nada em troca. Se eu quiser visitar o Coliseu, terei de comprar o ingresso como todo mundo.”

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