Música satiriza o governo e se torna sucesso na internet


Islambad, Paquistão. Uma música que "mete a língua" nos extremistas religiosos, na militância e nas contradições da sociedade contemporânea do Paquistão se tornou um grande sucesso nos últimos meses, espalhando-se por todo o país como uma voz de expressão dos liberais encurralados.  A música "Aaulu Anday", que, em português, significa "Batatas e Ovos", foi escrita por um grupo de três jovens paquistaneses que se identificam como o Beygairat Brigade, ou a "Brigada sem Honras" - o que constitui uma crítica aberta aos militares, conservadores religiosos, políticos nacionalistas e teoristas da conspiração, uma vez que os grupos de direita são frequentemente mencionados na mídia como "Ghairat Brigade" (Brigada da Honra).
O vídeo do grupo no YouTube já foi visto mais de 400 mil vezes, desde que foi postado em outubro. A canção tem recebido críticas brilhantes na mídia do país e é, cada vez mais, comentada e compartilhada nas redes sociais.
Músicos locais já haviam produzido esse tipo de trabalho musical crítico, mas geralmente com foco no Ocidente e nos Estados Unidos. Raramente, artistas locais têm coragem de ridicularizar militares e extremistas, e nunca ninguém havia conquistado tanto sucesso quanto o grupo Beygairat Brigade.
Cantada em Punjabi, a língua da província mais próspera e populosa do Paquistão, a canção traz comentários sobre o atual ambiente sócio-político do país, em que o radicalismo e a militância vêm aumentando significativamente nos últimos anos, e a tolerância aos grupos minoritários tem sido menos atuante. 
Chocante. Neste ano, um governador que se opôs à lei da blasfêmia no Paquistão foi morto por um de seus próprios guardas. O assassino foi ovacionado por pessoas em diversas partes do país, incluindo advogados que receberam o criminoso como um nobre, com pétalas de rosas e guirlandas de flores. 
A música "Aaulu Anday"aborda assassinos e extremistas sendo saudados como heróis, enquanto pessoas como Abdus Salam, cientista paquistanês vencedor do prêmio Nobel, são frequentemente ignoradas por pertencerem a grupos minoritários. No caso do cientista, ele pertence ao Ahmadi.
Entre os focos de crítica, estão Malik Mumatz Qadri, responsável pela morte do governador que foi contra pontos da lei da blasfêmia, e Ajmal Kasab, outro criminoso paquistanês ovacionado por sua atuação em ataques terroristas na Índia. O grupo tira sarro também do poderoso chefe das forças armadas, o general Ashfaq Parvez Kayani, por estender sua permanência no cargo por mais três anos. 
Traduzido por Luiza Andrade
Letra da música faz duras críticas
Versos. Os músicos fazem críticas ao cenário político-social do país:

"Qadri é tratado como um membro da família real". A frase faz referência a Malik Mumatz Qadri, o guarda da elite policial responsável pela morte do governador de Punjab, Salman Taseer, em janeiro, após o político ter se pronunciado contra aspectos da lei da blasfêmia.

"Onde Ajmal Kasab é um herói".  A frase se refere ao único criminoso paquistanês sobrevivente dos ataques terroristas de 2008, em Mumbai, na Índia.

"O clérigo tentou escapar sob um véu". A frase faz alusão ao chefe clérigo da Mesquita Vermelha de Islamabad - que foi alvo de um cerco, em 2007, por parte do governo paquistanês contra militantes islâmicos. Na ocasião, o clérigo tentou passar pelo cerco de guardas fingindo-se de mulher, ao se esconder sob um véu que cobria o corpo, tipicamente usado por mulheres no Paquistão.


DESDE OS ANOS 80
Protestos em forma de arte
Lahore, Paquistão. Poesia e literatura de resistência estão longe de ser novidades no Paquistão. Elas já inspiravam os rebeldes desde os anos de ditadura militar. Durante os protestos do movimento seminal de advogados, em 2007, quando o grupo liderou a campanha para o impeachment do presidente Pervez Musharraf, os advogados cantavam e dançavam um poema escrito por Faiz Ahmad Faiz, considerado um gigante da literatura Urdu.

Habib Jalib, outro famoso poeta paquistanês, escreveu diversos poemas contra o general Mohammad Zia ul-Haq, o ditador militar da década de 1980. "Mas o Jalib é irrelevante para a geração de jovens urbanos de classe média que o Beygairat Brigade consegue atingir", afirma Nadeem Farooq Paracha, um crítico cultural que mora em Karachi.

"A banda oferece uma narrativa alternativa para aquela que a geração atual cresceu ouvindo. Além disso, ela providencia uma contranarrativa à manutenção do status quo e às noções conservadoras de política, história e sociedade como preconizadas pelos televangelistas, teoristas da conspiração e, claro, a mídia eletrônica de tendências direitistas", completa Paracha. "Há jeito melhor de se fazer isso do que com sátiras e ‘pop music’?"
Os membros do grupo, por outro lado, não têm pretensão alguma de ser revolucionários, ativistas ou intelectuais. Mesmo assim, sentem que a música representa aqueles que não acreditam no extremismo e querem viver em paz. "Ao fim do dia", diz o vocalista, "somos apenas músicos trazendo à tona assuntos importantes". (SM/NYT)

Comentários