Árvore da Vida é esperado ansiosamente pelos fãs de Malick


Terrence Malick é caso raro de diretor capaz de demorar anos - ou duas décadas, como entre "Dias de Paraíso" (1978) e "Além da Linha Vermelha" (1998) - para lançar um novo filme, mas de quem cada obra é aguardada com extrema expectativa. Não seria diferente com "A Árvore da Vida", respaldado pela Palma de Ouro de melhor filme recebida no Festival de Cannes deste ano - mesmo evento que o premiou como melhor diretor por "Dias de Paraíso", obra que revelou Richard Gere.

Brad Pitt e Jessica Chastain vivem um casal que tem três filhos e está em luto. Numa categorização sugerida por ela, pode-se vê-los como representantes, respectivamente, da "natureza" (bruta) e da "graça" (elevada), as forças que moveriam o mundo, e que duelam na cabeça do filho primogênito.

Malick capta em fragmentos o cotidiano familiar da formação dos três garotos, e o insere num contexto maior no tempo (desde o Big Bang) e no espaço (expandido para o cosmos), tentando alcançar alguma transcendência. Em seus voos abstratos e grandiloquentes, dá mais abertura a imagens da natureza (fogo, planetas etc) do que ao filho crescido, interpretado por Sean Penn - a quem, após um longo processo de três anos de montagem, restou pouco tempo em tela, e se vê mais como um espectro.

É curioso como o filme guarda pontos de contato com "Melancolia", de Lars von Trier, outro premiado no festival francês e que também chegou recentemente às salas de cinemas da cidade. Ainda que de modos e humores bastante distintos, ambos confrontam o microcosmo familiar ao macrocosmo universal, num movimento para abarcar a dimensão do sofrimento humano perante um mundo que não se consegue compreender.

Porém, se von Trier o faz sem apelos espirituais, centrado nas reações psicológicas a uma iminente catástrofe planetar; Malick assume ares metafísicos e dá voz aos questionamentos existenciais. A aproximação mais óbvia que o filme sugere, porém, é com "2001 - Uma Odisseia no Espaço", de Stanley Kubrick. "Com uma diferença radical: Kubrick é um cineasta cerebral, Malick um cineasta emotivo, sensorial", compara o crítico Pedro Butcher.

Radicalização. "A Árvore da Vida" radicaliza elementos presentes nos quatro títulos anteriores de Malick, sobretudo pela maneira como filma a natureza. "Já em ‘Terra de Ninguém’, aparece uma forma toda especial de filmar os personagens e a natureza que os cerca. Em ‘Dias de Paraíso’, temos a sequência da praga de grilos e o incêndio que se segue, filmados em ‘macro’. Em ‘Além da Linha Vermelha’ e ‘Novo mundo’, essa questão fica ainda mais clara", comenta Butcher.

Revelado no cinema independente norte-americano dos anos 1970, Malick não seguiu o caminho de Francis Ford Coppola, Martin Scorsese ou Steven Spielberg em Hollywood. "Ele desenvolveu sua carreira à margem, sempre de forma independente, e manteve esse espírito até hoje", diz Butcher.

O cineasta faz de seus filmes o que quer - e num tempo próprio. Sua entrega pessoal a "A Árvore da Vida" o torna ainda mais subjetivo do que os anteriores, conforme aponta o crítico Eduardo Valente, ex-editor da revista "Cinética". Para começar, a história da família filmada se passa na mesma época e lugar em que o diretor viveu com seus pais e irmãos, e os questionamentos existenciais apresentados ressoam sua formação em filosofia. Além disso, há um uso particular da narração em off. "Parece quase sempre emanar muito mais da entidade-filme do que dos personagens", diz Valente. "Vejo um filme quase sem distanciamento algum. É quase um filme-carta, um filme-ensaio", define.

O impacto de uma obra tão subjetiva passou longe da unanimidade em Cannes. A exibição foi tumultuada pela quantidade de espectadores disputando lugares e acabou entre aplausos e vaias, mas levou o prêmio principal em ano de fortíssimos concorrentes.



Família. Jessica Chastain e Brad Pitt interpretam os pais de três meninos; ela é uma mulher fiel à crença religiosa, ele, um pai severo na educação dos filhos. O primogênito, no futuro, é vivido por Sean Penn
Brad Pitt declarou que as melhores cenas vinham de "acidentes"
CINEMA
Pequenos indivíduos no curso da História
Luciana Romagnolli
Na entrevista abaixo, o crítico de cinema Marcus Mello, editor da revista gaúcha "Teorema", expõe a importância da obra de Terrence Malick, diretor de "A Árvore da Vida".

Com apenas cinco longa-metragens em quase 40 anos, Terrence Malick acumula prêmios e filmes com aura de obras-primas. O que o coloca nessa categoria?

São raros os diretores como ele, empenhados em entregar ao espectador sempre uma obra-prima. No cinema norte-americano, Malick só encontra um adversário à altura em Stanley Kubrick, outro gênio obsessivo em busca de filmes perfeitos.

Qual seu papel no cinema independente dos anos 1970, época em que lançou os emblemáticos "Terra de Ninguém" e "Dias de Paraíso"?

No curto período de quatro anos, o jovem Malick entregou ao público duas obras-primas seguidas (tinha 29 anos quando lançou "Terra de Ninguém"), que fizeram de seus protagonistas estrelas instantâneas. Na época, esses filmes tiveram um impacto parecido com o provocado pelo surgimento de Quentin Tarantino nos anos 1990, com "Cães de Aluguel" e "Pulp Fiction".

Em paralelo ao olhar aguçado sobre a natureza, parece sempre haver nos filmes de Malick um questionamento de seus personagens sobre sua função num contexto maior, seja a América ou o planeta.

Os filmes de Malick parecem interessados em mostrar que a história íntima dos pequenos indivíduos está diretamente relacionada à grande História. Os protagonistas anônimos de "Dias de Paraíso" dizem mais sobre a Depressão norte-americana do que muitos tratados de História, e o mesmo vale para os soldados de "Além da Linha Vermelha" ou para os colonizadores e índios de "Novo Mundo". Malick consegue juntar o grande e o pequeno em seus filmes, alternando planos com dezenas de figurantes a detalhes de um inseto ou uma folha. A história norte-americana está sempre presente, mas acaba assumindo um caráter metafísico.

Os saltos temporais entre os filmes significaram mudanças de fase do cineasta?

O Malick da segunda fase é mais grandiloquente. Seus filmes dos anos 1970 são obras de câmera, ao contrário da opulência sinfônica iniciada com "Além da Linha Vermelha".

Como é o relacionamento do reservado Malick com a indústria cinematográfica, uma vez 
que seu histórico é de manter longos hiatos entre filmes, extrapolar orçamentos, atrasar montagens e cortar cenas até que os atores que se supunham principais tenham poucos minutos na tela; sendo que, por outro lado, seus filmes geram grande repercussão?

Malick sempre teve não só o respeito da crítica e do público, mas também da própria indústria de Hollywood. Reza a lenda que não há ator ou produtor que não largue tudo o que estiver fazendo para participar de um projeto do diretor.

Fonte: www.otempo.com.br

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