Aquecimento global ameaça reserva mundial de alimentos


Aquecimento global ameaça reserva mundial de alimentos
Faltam recursos para prevenção de desastres e novas técnicas para o setor
JUSTIN GILLIS
THE NEW YORK TIMES

CIUDAD OBREGON, México. Pesquisas científicas recentes sugerem que a mudança climática está contribuindo para a escassez de alimentos no mundo. O enriquecimento dos países que antes eram pobres também proporcionou poder de compra para os cidadãos que antes não conseguiam ter nem mesmo o mínimo para a subsistência.

O problema da baixa reserva de alimentos é exacerbado pelo aumento da população, o excesso de consumo e a falta de investimentos na ciência agrícola com o intuito de elevar a produção e evitar pragas. E o crescimento rápido da produção agrícola que definiu o fim do século XX ficou mais lento ao ponto de não conseguir atender à demanda de alimentos.

O consumo dos quatro produtos principais - trigo, arroz, milho e soja -, que fornecem a maior parte das calorias humanas, superou a produção em grande parte da década passada.

Com isso, as estocagens de alimentos, que costumavam ser grandes, agora estão em níveis preocupantes. O desequilíbrio entre oferta e demanda resultou em dois enormes aumentos nos valores internacionais de grãos desde 2007, com alguns tipos deles mais que dobrando de preço.

Essas elevações nos preços, embora tenham sido moderadas no Ocidente, pioraram a fome para dezenas de milhões de pessoas pobres, desestabilizando a política em inúmeros países. Agora, pesquisas científicas recentes sugerem que um fator anteriormente não considerado está ajudando a desestabilizar o sistema alimentar: a mudança climática.

Clima. Muitas das colheitas fracassadas da década passada foram consequência de desastres climáticos. Cientistas acreditam que algumas das tragédias climáticas, embora não todas, tenham sido provocadas ou acentuadas por um aquecimento global induzido pelo homem.

As temperaturas estão aumentando rapidamente durante a temporada de cultivo em alguns dos países agrícolas mais importantes, e um artigo publicado algumas semanas atrás descobriu que isso cortou vários pontos percentuais de produção em potencial, aumentando a variação de preços.

Uma crescente inquietação acerca do futuro do abastecimento mundial de alimentos ficou evidente em entrevistas realizadas neste ano com 50 especialistas em agricultura que trabalham em nove países.

Futuro. Esses especialistas argumentam que, nas próximas décadas, os fazendeiros precisarão superar quaisquer problemas climáticos que surgirem e, ao mesmo tempo, dobrar a produção de alimentos para atender à demanda. E eles precisam fazer isso enquanto reduzem o dano ambiental considerável causado pelo negócio da agricultura.

A falta de água já chegou nos últimos anos para os cultivadores e várias regiões. Uma das áreas que sofrem com a escassez é o Vale do Yaqui, no noroeste do México, onde mora o fazendeiro Francisco Javier Ramos Bours. Na visão dele, a mudança climática global pode ser considerada responsável. "O mundo inteiro está comentando sobre isso", disse Ramos, enquanto outros fazendeiros concordavam com a cabeça.

Os fazendeiros de todos os cantos estão enfrentando dificuldades como escassez de água e enchentes repentinas. As plantações vêm sendo afligidas por ondas de calor e pelo aparecimento de pragas e doenças, dentre outras coisas.

Traduzido por André Luiz Araújo

FOTO: SANJIT DAS/THE NEW YORK TIMES
Agricultores não dão conta de atender à crescente demanda de produtos
CULTIVO
Nobel da Paz criou modelo sustentável
CIUDAD OBREGON. Décadas atrás, os fazendeiros de trigo do Vale do Yaqui, no México, realizaram um amplo desenvolvimento agrícola chamado Revolução Verde, que usava variedades melhoradas de produtos e métodos de cultivo mais intensivos para elevar a produção de alimentos em grande parte do mundo em desenvolvimento. Eles contaram com o auxílio do jovem agrônomo norte-americano Norman Borlaug, que ajudou os fazendeiros mexicanos a aumentarem em seis vezes a produção.

Nos anos 1960, Borlaug levou sua abordagem para a Índia e o Paquistão, onde se temia o prospecto de fome em massa. A produção também aumentou nesses lugares. Outros países também se juntaram à Revolução Verde. Borlaug se tornou o único agrônomo até hoje a ganhar o Prêmio Nobel da Paz, em 1970. No discurso de recebimento do prêmio, entretanto, ele fez uma advertência. "Podemos estar em uma maré alta agora", disse ele. "Mas uma maré baixa pode vir logo se formos complacentes e relaxar nos nossos esforços". (JG)

FOTO: TODDHEISLER/THE NEWYORK TIMES
Enchente nos EUA destruiu plantações e ameaçou alimentos em silos
DESEQUILÍBRIO
Planejamento ruim atrapalhou o campo
CIUDAD OBREGON. A perda de foco nas melhorias agrícolas começou a aparecer no sistema alimentar mundial no fim do século passado. A produção continuou a aumentar, mas, como poucas inovações foram disponibilizadas aos agricultores, o índice de crescimento ficou lento.

Esse momento relativamente tranquilo ocorreu enquanto a demanda por alimentos começava a decolar, graças, em parte, a um aumento da riqueza em grande parte da Ásia. Aí, o clima problemático começou a atrapalhar a produção. Em 2007 e 2008, com baixos estoques de grãos, os preços dobraram e, em alguns casos, triplicaram. Países inteiros começaram a estocar comida e, em alguns mercados, houve surtos de compras de alimentos, especialmente de arroz. Tumultos por comida ocorreram em mais de 30 cidades.

Os fazendeiros atacaram os preços altos plantando o máximo possível, e safras saudáveis em 2008 e 2009 ajudaram a remontar os estoques até certo ponto. Esse fator, somado à recessão global, provocou a queda dos preços em 2009. Mas, no ano passado, mais problemas agrícolas relacionados ao clima elevaram os preços. Neste ano, os suprimentos de arroz estão adequados, mas o mau tempo ainda ameaça as plantações de trigo e milho em algumas áreas.

Especialistas começam a temer que a era da comida barata esteja no fim. "Nossa mentalidade até pouco tempo era a questão dos excessos", disse Dan Glickman, ex-secretário de agricultura dos EUA. "Isso mudou da noite para o dia". (JG/NYT)

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