Solte suas emoções no trabalho


Pesquisa constata que expressar os sentimentos durante o expediente pode 

aumentar a produtividade - vale até chorar

Débora Rubin


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FOCO
Quando a pessoa expressa seus sentimentos, tira o
 problema da frente e melhora a concentração


















Pegue a caixinha de lenços: já é permitido chorar no ambiente de trabalho. E você
nem precisa sair da mesa para derramar suas lágrimas. De acordo com a escritora 
americana Anne Kreamer, ex-executiva do canal infantil Nickelodeon, reprimir as 
emoções no ambiente profissional está ficando démodé. E, mais que isso, pode 
provocar grandes prejuízos para a saúde do trabalhador e para a produtividade da 
empresa. Essa é a tese que a americana sustenta em seu livro, “It’s Always Personal” 
(“É sempre pessoal”, ainda sem tradução para o português). Para entender melhor 
o que está acontecendo no mundo    corporativo, Anne fez uma pesquisa com 
mais de mil americanos para saber como eles estão administrando seus nervos 
durante o expediente. A grande maioria ainda guarda para si sentimentos como raiva, 
mágoa e, a campeã das campeãs, frustração. Ainda assim, a autora pôde sentir que os 
conceitos estão mudando. Chorar, que sempre foi considerado quase um crime 
no mundo profissional, já é visto com olhos mais amigáveis: 48% dos  omens e 42% 
das mulheres acham que não é pecado se emocionar na frente do computador.
A gerente financeira Marcela Amaral, 24 anos, é uma chorona assumida. Nem se 
dá ao trabalho de ir ao banheiro, tática das mais adotadas por funcionários, para 
colocar para fora suas mágoas. “Só apelo ao carro quando quero gritar”, diz, rindo. 
Marcela vive uma situação delicada. Seu pai é o dono da empresa onde ela trabalha 
e ela é chefe da sua tia. Tantas relações pessoais e profissionais misturadas geram 
estresse duplo. “Não entendo por que as pessoas guardam tanto os sentimentos, faz 
mal. Eu prefiro chorar a ter gastrite nervosa e problemas do coração.”
Marcela está certa. Como diz a americana Anne, as lágrimas são o botão natural 
para “reiniciar” a máquina humana. “Quando a gente resolve a questão que está 
incomodando, tira aquele problema da frente e passa a ser mais produtivo”. 
Além disso, defende a autora, as emoções são fundamentais para tomar decisões. 
“A neurociência já mostrou que o sistema límbico, morada dos sentimentos, 
influencia na escolha das decisões”, complementa a consultora de recursos 
humanos Vera Martins, autora do livro “Tenha Calma!”, no qual ensina a
transformar a raiva em uma poderosa ferramenta de trabalho. Como Anne, 
Vera acredita que é preciso refletir sobre a mensagem que as emoções estão
passando. “A raiva é protetora da nossa individualidade, é o que nos avisa sobre
a insatisfação interna e mobiliza para a mudança. Bem conduzida, ela pode 
libertar tensões e alertar contra ameaças”, exemplifica. Só não vale sair 
gritando com os outros ou puxando o tapete alheio.
FRANQUEZA
O professor Therence chora na frente dos alunos. Samira já foi 
consolada até por cliente

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O professor de história Therence Santiago, 32 anos, acredita que seu papel de
docente vai muito além de transmitir conteúdo. “Quando passo para os meus
alunos a minha emoção, estou ensinando também a importância de ser
transparente em relação aos próprios sentimentos”, conta ele, que não se importa
em dizer que chora sempre que sente vontade na frente da classe, seja por
motivos pessoais ou seja por um tema que o emociona. Foi assim quando seu irmão
mais velho morreu de gripe suína, há pouco mais de um ano. “Nunca fui tão
abraçado pelos meus alunos”, recorda.

img.jpgSegundo a pesquisa americana, homens choram menos
no trabalho – 9% contra 41%. E, mesmo assim, a
ressaca lacrimal ainda é um problema para as mulheres.
“A imensa maioria ainda sente culpa depois que chora,
é como se tivesse traindo a causa feminista”, afirma
Anne. Uma mulher expressando sua raiva tampouco é
bem-vista. Ainda prevalece a máxima de que as que
choram são fracas e as que gritam são histéricas. Samira
Racca, 25 anos, no entanto, não sente culpa alguma. Ela
já foi auxiliar de escritório, vendedora em loja – chegou
a ser consolada por um cliente – e hoje estuda artes
visuais. Quer migrar para o universo artístico justamente por ser mais receptivo
às dores humanas. “Sou muito intensa em tudo, para a felicidade e para a tristeza,
não sei criar um personagem. Sempre que choro, me alivio”, diz.
Para Antônio Carminhato Jr., CEO do Grupo Soma, especializado em recursos
humanos, as empresas brasileiras estão cada vez mais simpáticas às pessoas
autênticas e honestas com seus sentimentos. As “competências emotivas”,
segundo ele, são levadas em conta na mesma proporção das competências técnicas.
“Eu diria que uma pessoa que chora no trabalho não é fraca, mas franca”, acredita.
Apesar das boas novas, é bom lembrar que as mudanças em curso no mundo
corporativo ainda são muito frescas – nem todos encaram as novidades com
naturalidade. Não à toa a pesquisa de Anne Kreamer apresenta algumas
contradições. Por exemplo, ao mesmo tempo que 43% das mulheres acham que
quem chora é instável, 69% das pessoas ouvidas acham que quem se mostra
emotivo diante dos colegas é mais humano. “Expressar as emoções faz parte das
novas crenças que estão sendo disseminadas como indispensáveis dentro das
empresas”, diz a consultora de RH Vera. “É a mensagem percebida como a
ideal, mas ainda não foi totalmente incorporada no mundo profissional”, alerta.
“Às vezes uma empresa encara positivamente, mas o colega da baia ao lado, não”,
complementa Carminhato Jr. Portanto, pode chorar. Mas com moderação.
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