Memórias da Barbárie

Embora exaustivamente recontados, os relatos dos sobreviventes do extermínio em massa promovido por Hitler e seu exército nazista, durante a Segunda Guerra Mundial, estão longe dos clichês. Cada narrativa inclui diversas facetas, como resistência, revolta e guerrilha, fuga, solidariedade, laços familiares, vingança e fé. São histórias de sobrevivência nos guetos, como narrado na película "O Pianista" (2002), de Roman Polans-ki, ou de homens que salvariam milhares de vidas, como retratado em "A Lista de Schindler" (1993), de Steven Spielberg. 
No livro "Muito Além das Cinzas - Narrativas de Auschwitz" (248 páginas, R$ 62), recém-lançado pela editora Edgard Blucher, a historiadora mineira Ethel Mizrahy Cuperschmid resgata outras histórias da sobrevivência nos campos de concentração nazista. "Os relatos têm pontos de vista e graus de maturidade diferentes, mas todos têm em comum o terror e a necessidade de testemunhar a matança sistemática, de proporções inéditas na história da humanidade", analisa Ethel. A obra é fruto da tese de doutorado da autora pela UFMG. Para escrevê-la, a historiadora se baseou em vários documentos oficiais, mas privilegiou os relatos. "O enfoque está em quem sofreu a arbitrariedade, quem virou número e viu pessoas queridas virarem cinzas", diz.

De ascendência judaica, Ethel afirma que as vítimas do nazismo não foram conduzidas para os campos de concentração como cordeiros ao matadouro. Ao contrário: ofereceram diversas formas de resistência. Segundo ela, os judeus lutaram contra o regime totalitário por meio de guerrilhas e até mesmo enquanto estavam confinados. "Quando eram postos para trabalhar nos campos de concentração, os prisioneiros costumavam burlar as regras", afirma Ethel. Ela exemplifica com o relato do sobrevivente Joseph Nichthauser, responsável por fazer chá para os oficiais alemães. "Para se vingar, ele chegou a misturar a própria urina ao líquido", conta.

Justamente devido à resistência, Ethel acredita que o termo "holocausto" ("akedá" em hebraico) não é o mais apropriado para definir o extermínio em massa. "A expressão tem conotação religiosa, referente a sacrifício. Além de os judeus não terem se sacrificado em nome de nada, a matança teve um viés político e étnico-racial, não religioso". Para ela, a palavra mais correta é genocídio, utilizada pela primeira vez pelo advogado polonês Raphael Lemkin, em 1944. Outras expressões usadas pelos judeus são "shoah" e "hurban", que significam, respectivamente, "catástrofe" e "destruição", em hebraico. A historiadora também reconstrói o paradigma de heroísmo. "Temos a tendência de achar que apenas quem pegou em armas foi herói. Mas quem optou por escolhas éticas sob um regime de terror, como morrer com seus familiares ou ajudar desconhecidos correndo risco de vida, também desempenhou um ato heroico"

FERNANDO TORRES
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